quinta-feira, 10 outubro, 2024
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    Mulher de Cunha gastou “dinheiro público” em lojas de grife, diz MPF

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    Claudia Cruz virou ré em processo da Operação Lava Jato (Foto: Evaristo Sá/AFP/Arquivo)

    ‘Dinheiro público foi convertido em sapatos e roupas de grife’, diz MPF

    Fernando Castro e Thais Kaniak
    Do G1 PR

    “Dinheiro público foi convertido em sapatos de luxo e roupas de grife”, disse o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) da Operação Lava Jato. Segundo o MPF, Cláudia Cruz fez compras no exterior com recursos de contas na Suíça abastecidas com dinheiro de propina recebido pelo marido dela, o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

    O juiz federal Sérgio Moro aceitou nesta quinta-feira (9) denúncia do MPF contra Cláudia Cruz por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Inclusive, ela chegou a dizer que fazia compras de luxo no exterior, com autorização do marido.

    Em nota à imprensa, o deputado Eduardo Cunha afirma que as contas de Cláudia no exterior estavam “dentro das normas da legislação brasileira”, que foram declaradas às autoridades e que não foram abastecidas por recursos ilícitos (leia a íntegra da nota abaixo).

    Trust

    Para o MPF, porém, a tese de Cunha não se sustenta. Deltan Dallagnol citou denúncia contra Cunha apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que aponta o caminho do dinheiro da propina até as contas usadas por Cláudia Cruz.

    Segundo a Procuradoria, Cunha recebeu pelo menos US$ 1,5 milhão em propina na trust Orion SP. A transferência foi feita pela off-shore Acona Internacional, que, conforme a acusação apresentada nesta quinta, pertence ao operador João Henriques. Ele, por sua, vez, havia recebido os valores de uma holding proprietária da Compagnie Béninoise des Hydrocarbures (CBH) – a empresa que vendeu 50% de um bloco de campo de exploração de petróleo na costa do Benin para a Petrobras em 2011.

    A propina recebida por Cunha, segundo a denúncia, teve origem nesse negócio. O deputado recebeu os recursos por ser o responsável pelo apoio à indicação de Jorge Luiz Zelada ao cargo de diretor da Área Internacional da Petrobras. Zelada, que já foi condenado em outro processo da Lava Jato, agiu para que o negócio entre a CBH e a estatal fosse realizado, segundo a acusação.
    O pagamento de propina a Henriques, posteriormente enviado a Cunha, foi feito pelo dono da CBH, Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira, que também virou réu nesta quinta.

    O STF ainda não aceitou esta denúncia contra Cunha, portanto, ele não é réu neste processo.

    Segundo o procurador Deltan Dallagnol, sua experiência mostra que há um “uso sistemático de offshores e trustes como mecanismos para ocultar quem é o verdadeiro dono do dinheiro”.

    “O verdadeiro controlador desse dinheiro, por trás dos trusts e offshores, era o deputado federal Eduardo Cunha. A conduta dele especificamente está sujeita a apuração perante o Supremo Tribunal Federal, mas ela aparece no contexto dos crimes aqui acusados”, afirmou.

    Versão questionada

    O juiz Sérgio Moro, no despacho em que recebeu a denúncia contra Cláudia Cruz, também questionou a versão de Cunha.
    “Em princípio, o álibi de que as contas e os valores eram titularizados por trusts ou off-shore é bastante questionável, já que aparentam ser apenas empresas de papel, sem existência física ou real (…) A Köpek, aliás, menos do que isso”, disse o juiz.

    Moro prossegue afirmando que a justificativa apresentada por Cunha, de que o US$ 1,5 milhão recebido pela Acona era devolução de um empréstimo, não tem nenhuma prova documental.

    “Ademais a proximidade temporal entre o crédito na Acona e a transferência em favor das contas secretas do parlamentar indica vinculação com o pagamento feito pela Petrobras pelos direitos de exploração na República do Benin, em negócio que se mostrou prejudicial à empresa estatal”, observou o juiz.

    Conselho de Ética

    O trust de Eduardo Cunha está no centro da discussão sobre o processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O relator do caso argumenta que trustes e offshores foram usados por Cunha para “ocultar” patrimônio mantido fora do país e para receber propina de contratos da Petrobras.

    No documento, ele diz que Cunha constituiu trustes no exterior para viabilizar a “prática de crimes”.
    A defesa de Cunha no processo argumenta que o presidente afastado da Câmara não é dono de contas mantidas na Suíça, porque elas estariam em nome de trustes – entidades legais existentes em alguns países que administram bens em nome de uma ou mais pessoas.

    Na leitura do parecer, porém, o relator Marcos Rogério disse que a “mentira” dita por Cunha CPI da Petrobras, quando negou ter contas fora do país, revela uma “absoluta falta de decoro”. O relatório que pede a cassação de Cunha deve ser votado na próxima semana pela comissão.

    Gastos no exterior

    As compras de luxo apontadas pelo MPF foram pagas com recursos da offshore Köpek – as despesas em cartão de crédito no exterior são superiores a US$ 1 milhão num prazo de sete anos, entre 2008 e 2014. As investigações apontam que o valor é totalmente incompatível com os salários e o patrimônio lícito dela e do marido.

    “Quase a totalidade do dinheiro depositado na Köpek (99,7%) teve origem nas contas Triumph SP (US$ 1.050.000,00), Netherton (US$ 165 mil) e Orion SP (US$ 60 mil), todas pertencentes a Eduardo Cunha”, afirma o MPF.

    Extratos dos cartões de crédito de Cláudia Cruz que foram juntados aos autos do processo mostram gastos em lojas de grifes de luxo como Chanel, Christian Dior, Louis Vuitton e Prada, dentre outras.

    Em janeiro de 2014, por exemplo, há registro de uma compra de US$ 7,7 mil em loja da Chanel em Paris, e outra de U$S 2,6 mil na Christian Dior da mesma cidade. Há ainda compras em outras cidades, como Roma, Veneza, Lisboa, Dubai, Nova York e Miami.

    Os procuradores sustentam que Cláudia Cruz tinha plena consciência dos crimes que praticava e é a única controladora da conta em nome da offshore.

    “A investigação teve convicção de que havia consciência e vontade da pessoa de Cláudia Cruz em razão dos diversos elementos circunstanciais que envolveram os fatos. Por exemplo, ela assinou documentos de abertura da conta e omitiu das autoridades fazendárias brasileiras, omitiu do Banco Central e da Receita Federal a existência dessa conta”, afirmou o procurador Diogo Castor de Mattos.

    No despacho em que recebeu a denúncia do MPF, contudo, Sérgio Moro afirmou que ainda precisa ser esclarecido ao longo do processo se Cláudia Cruz tinha conhecimento ou não de que os recursos das contas no exterior usados por ela tinham origem criminosa. Ela negou em depoimento anterior.

    “Por ora, a própria ocultação desses valores em conta secreta no exterior, por ela também não declarada, a aparente inconsistência dos gastos efetuados a partir da conta com os rendimentos lícitos do casal, aliada ao afirmado desinteresse dela em indagar a origem dos recursos, autorizam, pelo menos nessa fase preliminar de recebimento da denúncia, o reconhecimento de possível agir com dolo eventual ou com cegueira deliberada, sem prejuízo de avaliação aprofundada no julgamento”, observou o juiz.

    Moro também determinou que o MPF se manifestasse sobre a filha de Cunha, Danielle Dyitz Cunha. O nome dela foi citado na denúncia ao Superior Tribunal Federal (STF) – apesar de nem ela nem a mãe terem sido denunciadas pelo tribunal – mas não apareceu na denúncia do MPF.

    Os procuradores explicaram que as investigações relacionadas a Danielle continuam. Até o momento, não há provas de que ela sabia da ilicitude dos atos.

    Cláudia Cruz e outras três pessoas passam a ser rés em uma ação penal que se originou a partir da Lava Jato. Os outros são o empresário português Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira, o lobista João Augusto Rezende Henriques, e o ex-diretor da área Internacional da Petrobras Jorge Luiz Zelada.
    Deltan Dallagnol informou que o MPF não pediu a prisão preventiva de Cláudia Cruz por entender que se trata de uma medida “drástica e excepcional”. “No caso dela não se trata de um ator central. O ator central é o marido dela. É preciso reservar a prisão preventiva para os casos em que ela é mais necessária”, afirmou o procurador.

    O que as defesas dizem

    Ao Jornal Nacional, a defesa de Cláudia Cruz afirmou que ela responderá às imputações como fez até o momento, colaborando com a Justiça e entregando os documentos necessários à apuração dos fatos. Ainda de acordo com a defesa, a jornalista não tem qualquer relação com atos de corrupção ou de lavagem de dinheiro, não conhece os demais denunciados e jamais participou ou presenciou negociações ilícitas.

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