Autoridades de Guiné Equatorial, na África, ligadas ao ex-presidente Lula, foram presas no aeroporto quando desembarcavam no Brasil com uma fortuna de US$ 16 milhões. A PF desconfia que o dinheiro seria usado na campanha eleitoral
Germano Oliveira – ISTOÉ
Quando a esmola é demais, até o santo desconfia. Esse antigo provérbio está sendo aplicado ao caso das malas recheadas com US$ 16 milhões (R$ 72 milhões) apreendidas na sexta-feira 16, no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, em poder da comitiva do vice-presidente de Guiné Equatorial, na África, Teodoro Obiang Mang, 49 anos, o Teodorin. A fortuna estava dentro de uma maleta com US$ 1,4 milhão em dinheiro vivo e 21 relógios avaliados em US$ 15 milhões, além de R$ 55 mil. Teodorin é filho do ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que governa Guiné há 39 anos. O ditador é amigo íntimo do ex-presidente Lula e recebeu financiamentos milionários do BNDES para obras em Guiné enquanto o PT esteve no poder.
Lula também fez lobby para que empreiteiras brasileiras, como Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez, realizassem grandes obras em países africanos, especialmente em Guiné. A PF suspeita que a fortuna trazida por Teodorin num avião do governo africano teria mesmo como destino a campanha eleitoral no Brasil, já que os africanos não conseguiram explicar o que fariam com o dinheiro apreendido às vésperas da eleição e num momento em que campanhas estão com dificuldade de obtenção de recursos. Além disso, o dinheiro não foi declarado e entrou no País como se fosse mala diplomática, longe do controle alfandegário. Teodorin forneceu uma explicação que até o mais santo policial desconfiou: que veio a São Paulo para um tratamento médico em um dos pés, recusando-se, no entanto, a indicar o nome dos médicos que o tratariam. Depois de dois dias em Campinas tentando recuperar o dinheiro para fazê-lo chegar às mãos de seu destinatário, a comitiva voltou à África, no domingo cedo, praticamente de mãos vazias: os dólares foram depositados no Banco Central brasileiro e os relógios serão leiloados, com a verba destinada aos cofres da União.
O caso começou a ganhar contornos de escândalo quando o Boeing 777-200 do governo de Guiné Equatorial pousou no Aeroporto de Viracopos, às 9h35 da sexta-feira 16, trazendo a bordo o vice-presidente Teodorin e outros dez assessores. Ao chegarem à área de desembarque, a comitiva disse que todas as 19 malas faziam parte da estrutura diplomática e se recusaram a passar pelos scanners do aeroporto. Depois de quatro horas de negociações, a bagagem foi inspecionada. Uma delas ficou retida pela Receita Federal. Ela continha uma maleta com US$ 1,4 milhão em notas de US$ 100, além de R$ 55 mil. Havia ainda uma caixa com 19 relógios, avaliados em US$ 15 milhões. O mais caro deles, todo cravejado de diamantes, foi estimado em US$ 3,5 milhões. Total da fortuna: R$ 72 milhões. Como as leis brasileiras só permitem o ingresso de R$ 10 mil, tudo foi apreendido e depositado numa agência da CEF à disposição da União. A PF abriu inquérito e Teodorin pode ser indiciado por lavagem de dinheiro. Um delegado da PF ouvido por ISTOÉ disse estar convencido de que o dinheiro iria para campanha eleitoral de algum aliado do governo de Guiné. O presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF, Edvandir Felix de Paiva, disse que a entidade está acompanhando as investigações para proteger o delegado de “interferências externas” ao seu trabalho. Os africanos voltaram para Malabo, capital de Guiné, no domingo de madrugada, apenas com os R$ 10 mil permitidos por lei.
As ligações com Lula
Interrogados, os africanos disseram que estavam no Brasil para um tratamento médico de Teodorin, mas não souberam dizer o nome do médico ou do hospital. O dinheiro, segundo eles, seria usado num outro compromisso da comitiva em Singapura, para onde iriam depois. Os policiais não se convenceram. Suspeitaram que os recursos se destinavam a alguma campanha eleitoral. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, foi um dos primeiros a suspeitar que a fortuna seria usada em campanhas políticas. “Essa quantidade de dinheiro vivo causa estranheza e espécie em qualquer momento, eleitoral ou fora do período eleitoral. É muito dinheiro e é preciso saber a origem e sua finalidade”, disse o ministro.
As relações do ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo com o ex-presidente Lula são antigas. Quando ainda era presidente, em 2010, Lula visitou vários países africanos, incluindo Guiné Equatorial, governado com mãos de ferro por Obiang há quatro décadas. Lula foi, inclusive, condecorado pelo ditador. Quando esteve no governo, o petista autorizou empréstimos do BNDES para o ditador construir obras de infraestrutura. Obiang é considerado o oitavo presidente mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, com fortuna calculada em US$ 600 milhões (R$ 2,7 bilhões).
Mas o relacionamento de Lula com Obiang não se resumiu ao período em que ele esteve no governo. Depois, ainda na condição de dirigente do Instituto Lula, o ex-presidente visitou países africanos para participar do lobby de empreiteiras brasileiras no continente africano. No dia 13 de março de 2013, Lula embarcou num jatinho Falcon, fretado pela Odebrecht, rumo a Malabo, capital de Guiné Equatorial, para conversar com o ditador Teodoro, que pedia a intervenção do ex-presidente na liberação de financiamentos do BNDES para a construção de obras importantes em Guiné. As empreiteiras brasileiras, como a Odebrecht, participavam dos projetos. Nessa viagem, a embaixadora do Brasil em Malabo, Eliana da Costa e Silva Puglia, acompanhou o lobby que Lula fez em favor da Odebrecht para a construção de um aeroporto em Mongomeyer, perto da capital de Guiné. A embaixadora relatou o lobby em correspondências ao Itamaraty, detalhando os pedidos que Obiang fez a Lula para favorecer a Odebrecht. Esses documentos foram anexados à investigação que o Ministério Público Federal abriu na Justiça do Distrito Federal contra o petista por tráfico de influência internacional. Em troca, Lula recebia altas somas da Odebrecht como se tivesse realizado “palestras” na África.
Carnaval no Brasil
Como Teodorin Obiang é tido como excêntrico, mulherengo e que gosta de ostentar sua fortuna, vivendo em luxuosos palácios e usando carros caríssimos, Lula precisou dar o “aval” para o jovem filho do ditador de Guiné se divertir em Salvador. Em 2012, Teodorin foi homenageado pelo Ilê Aiyê. Todo o custo da festa foi patrocinado pela OAS, segundo foi revelado em grampos da PF na 14ª fase da Operação Lava Jato em junho de 2015. Em conversas de Leo Pinheiro com o ex-diretor da área internacional da empreiteira, Cesar Uzeda, em 2012, a PF comprovou que os pagamentos da festa do Ilê a Obiang foram feitos pela OAS como contrapartida da empreiteira para obter novas obras em Guiné Equatorial. Lula ajudou nessa triangulação, a pedido do ditador de Guiné. Pinheiro disse a Uzeda que o ditador queria fazer um “agrado” ao filho. “Ele (Lula) me falou que o nosso amigo da Guiné veio pedir apoio ao filho. Me disse que foi um apelo de pai e que ninguém o atendia. Somente o nosso Brahma (apelido que ele dava a Lula) lhe deu acolhida”. Mas essa não foi a única vez. Em 2015, o governo de Guiné financiou o desfile da Beija-Flor, no Rio, que teve aquele País como destaque. Sempre com as benções do ex-presidente. Como se nota, o ditador de Guiné e seu filho milionário devem muito a Lula.
Amigo ditador
– Em 2010, Lula visitou Guiné e foi condecorado pelo ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo
– Como presidente, Lula destinou recursos milionários do BNDES para obras em Guiné
– Em 2013, já como lobista da Odebrecht, Lula visitou Guiné para acertar obras naquele País
– Agora, o filho do ditador chega ao Brasil com mala de dólares e joias e PF suspeita que seria para ajudar campanhas políticas