
Há alguns dias ficamos conhecendo os vencedores da nonagésima edição do Oscar. A Forma da Água, dirigido por Guillermo Del Toro, reiterou a influência do México nas últimas edições do evento. A animação Viva – A Vida é Uma Festa ampliou o espaço mexicano. Infelizmente, não tivemos brasileiros premiados. Concorriam Carlos Saldanha pela animação O Touro Ferdinando e Rodrigo Teixeira pelo filme Me Chame pelo Nome. Apenas uma brasileira, a diretora Luciana Arrighi, nascida no Rio de Janeiro e com cidadania ítalo-australiana, recebeu a estatueta dourada por seu trabalho no britânico Retorno a Howard’s End, em 1993. Mas, o que falta, realmente, para o Brasil assumir a liderança cinematográfica na América Latina, tanto no tocante à bilheteria quanto ao reconhecimento artístico em festivais internacionais? A resposta, talvez, esteja na capacidade de construir uma história sobre a perspectiva do marketing, o storytelling.
Nos últimos anos, o México vem fortalecendo
sua influência na indústria cinematográfica
americana. As premiações no Oscar
ampliaram o espaço mexicano.
Tenho convicção de que temos material humano e conteúdo para produzir filmes de primeira grandeza. No entanto, precisamos reverter o cenário recente de apatia do próprio público brasileiro em relação ao cinema nacional. Com 158 produções lançadas em 2017, um recorde, tivemos uma queda de 42,8% no número de espectadores, com 17,4 milhões de pessoas, reduzindo a participação de mercado para 9,6% sobre o público total que somou 181,2 milhões. Apenas quatro títulos tiveram mais de 1 milhão de espectadores e somente 23 conseguiram mais de 100 mil. Rio de Janeiro e São Paulo dominam a produção cinematográfica, com 75,9% dos títulos lançados, o que restringe a presença de outras praças na indústria audiovisual e a respectiva exploração do segmento em todas as fases de concepção do filme, da pré-produção à exibição. Os dados são da Agência Nacional do Cinema (ANCINE).
Em 2017, o cinema nacional teve queda de
42,8% no número de espectadores, mesmo
com o recorde de lançamento de 158 filmes.
Precisamos rever o formato das obras que chegam ao mercado e Hollywood é a melhor escola quando se trata de vender os seus produtos. Sua própria simbologia (letreiro no Mount Lee, calçada da fama, placas de cimento no Chinese Theatre) é marca registrada que há anos povoa o imaginário popular e catalisa o que acontece com os filmes, embalados em campanhas de divulgação inteligentes e impulsionados por uma precisa logística de distribuição. Da abertura dos filmes, com o selo do estúdio muitas vezes integrado ao enredo, passando por todas as etapas da esteira de marketing, mesmo no circuito artístico dos filmes de autor, tudo é pensado para contar um boa história, dentro e fora das salas de cinema. E não estamos falando necessariamente de dinheiro, mas de posicionamento. O filme Corra! custou pouco, faturou alto nas bilheterias e ainda levou o Oscar de melhor roteiro original. Até no boca-a-boca, o mainstream americano é eficiente.
O Chinese Theatre é marca registrada de
Hollywood e suas placas de cimento povoam o
imaginário popular há anos.
Com este raciocínio, que há rigor não é novidade, é preciso repensar as estratégias do cinema nacional, seja para o resultado artístico ou para o êxito comercial. O sucesso da comédia Minha Mãe É uma Peça 2, único filme brasileiro entre as 20 maiores bilheterias de 2017, com cerca de 5,2 milhões de ingressos vendidos e a nona posição no ranking, talvez seja um indício de que a dobradinha com o teatro e/ou a televisão tem potencial para atrair o público. Abordar temas sensíveis da sociedade e próximos ao cotidiano das pessoas pode ser um outro caminho e mostrou-se eficaz no premiado Tropa de Elite e na continuação Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora É Outro, que superou a audiência histórica de Dona Flor e seus Dois Maridos. Ou será que as conquistas de uma obra estão ligadas à sua inventividade? A direção, o roteiro, a edição e a fotografia de Cidade de Deus foram tão originais que concorreram ao Oscar, feito inédito para uma película brasileira.
Os bastidores da F1 com as rivalidades de
Piquet X Mansell e de Senna X Prost
certamente são mais envolventes do que o
drama vivido por Lauda X Hunt em Rush.
Gosto de transcender nas indagações. Se fossem todas filmadas, as fantasias do Sítio do Picapau Amarelo estariam à altura das fábulas e franquias da Disney? Readaptações para o cinema de textos de Machado de Assis superariam em qualidade os melhores filmes estrangeiros produzidos a partir da literatura de Charles Dickens, Victor Hugo ou Ernest Hemingway? Refilmagens de clássicos da cinematografia nacional como O Cangaceiro, O Pagador de Promessas, Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Macunaíma e Pixote – A Lei do Mais Fraco poderiam despertar o interesse das novas gerações? Dona Flor, em roupagem moderna, parece não ter despertado o desejo do público. Às vezes, uma simples referência pode servir de inspiração para uma criação artística singular. Os Sete Samurais, de Kurosawa, foi o molde para Sete Homens e um Destino, de Sturges. O Grande Golpe, de Kubrick, instigou Tarantino a desenvolver Cães de Aluguel. Todos se tornaram cult movies. As cinebiografias são outro filão que costuma produzir bons filmes. Mesmo em produções estrangeiras elogiadas pela crítica, me pergunto se não poderíamos ter feito melhor. Os bastidores da F1 na década de 80, com as rivalidades de Piquet X Mansell e de Senna X Prost, certamente são mais envolventes do que o drama vivido por Lauda X Hunt, na década de 70, em Rush – No Limite da Emoção.
Ary Barroso foi o primeiro brasileiro indicado
ao Oscar. Em alguns momentos, fomos
pioneiros e protagonistas do mais importante
prêmio da indústria do cinema.
O cinema é linguagem universal e uma boa história, real ou fictícia, supera qualquer barreira, mesmo a do idioma. Em 1960, a co-produção ítalo-franco-brasileira, Orfeu do Carnaval, baseada na peça teatral Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, venceu o Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, sendo o primeiro e único trabalho em português a sagrar-se vitorioso, mas creditando o prêmio à França. Com O Beijo da Mulher-Aranha em 1985, Hector Babenco, argentino naturalizado brasileiro, foi o primeiro latino-americano a disputar a melhor direção, o que afunilou para a premiação do americano William Hurt como melhor ator. E Fernanda Montenegro, em 1999, por sua interpretação em Central do Brasil, se tornou a primeira mulher latino-americana e única de língua portuguesa a concorrer na categoria de melhor atriz. Sim, podemos ser pioneiros e protagonistas! O que me remete à Ary Barroso que, em 1945, foi o primeiro compositor latino-americano a ter uma composição indicada para o Oscar de melhor canção original, a primeira aparição do país no mais importante prêmio da indústria cinematográfica mundial. O título do filme? Não poderia ser diferente: Brazil.
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*Rodrigo Costa é estrategista de marketing especializado nas áreas de bens de consumo, educação, esportes, logística, tecnologia da informação e telecomunicações. Além de executivo, é sócio da RC Marketing e Consultoria. Apoiou a realização de filmes nacionais como O Cego que Gritava Luz, Senta a Pua!, As Tranças de Maria e Federal.