domingo, 6 outubro, 2024
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    LULA CONDENADO: O que resta a Lula

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    Condenado por 3×0 em segunda instância, inelegível e a dois meses de uma provável prisão, numa operação que a Polícia Federal já prepara, Lula caminha para o melancólico desfecho de sua trajetória política

    O CÉU É O LIMITE Lula pode ser preso até março, mas não irá de camburão, segundo a PF (Crédito: Leonardo Benassatto)

    ISTOÉ / Sérgio Pardellas, Vicente Vilardaga e Germano Oliveira, de Porto Alegre

    Lula/Condenado

    O filósofo Michel de Montaigne escreveu, invocando Sêneca, que a natureza criou um só meio de entrar na vida, mas cem de sair dela. Algo semelhante se aplica ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista que, em 2009, no auge da forma e da popularidade, foi considerado “o cara” pelo ex-presidente dos EUA Barack Obama, poderia ter escolhido diversas maneiras de se despedir da vida pública. Preferiu a pior delas – debaixo da pecha de corrupto. Na quarta-feira 24, por 3×0, os três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus, numa sentença de impecável rigor técnico, não só confirmaram como agravaram a pena imposta a Lula por Sergio Moro, de nove anos e seis meses para doze anos e um mês de prisão. Salvo uma improvável guinada processual, sua prisão ocorrerá em até dois meses. É quando findará o prazo para o exame do derradeiro recurso à disposição da defesa de Lula. E, a não ser que a Justiça Eleitoral se dobre às indecentes pressões do PT, dificilmente o petista terá condições de imprimir seu nome na cédula eleitoral, desejo mais acalentado por ele.

    Cadáver político

    Nos termos da letra fria da lei, tão logo transitado em julgado o processo em segunda instância, Lula torna-se um cidadão incapaz de homologar sua candidatura, por qualquer que seja a legenda que ouse abrigá-lo. Portanto, inelegível e a poucos meses de ter seu mandado de prisão expedido, Lula caminha célere rumo ao trágico desfecho de sua trajetória política. Um vaticínio já se cumpriu: aquele cara, “o cara”, acabou. Virou um cadáver político insepulto. Poderia ter sido diferente, mas como dizia Ulysses Guimarães: “o mal de Lula é que ele gosta de viver de obséquios”. Lula, de fato, viveu de obséquios, atraído pelo aconchego e atalhos fáceis do poder. E para alcançar e se manter no poder, Lula mandou às favas todos os escrúpulos que um dia jurou ter. O tríplex no Guarujá, motivo de sua condenação, foi uma das facilidades das quais ele não abriu mão, mesmo após ter deixado o Planalto. Deu no que deu.

    Dia “D” da prisão

    Um dos sintomas de que a prisão do petista está mesmo próxima são as movimentações na Polícia Federal registradas nas últimas horas. Dentro da corporação, agentes já se preparam para o dia “D”. Há preocupações de como irão agir. A ordem é para que tudo seja conduzido da maneira mais sóbria possível. Por exemplo, o uso de camburão está totalmente descartado, para não gerar imagens que possam servir de combustível para a estratégia de vitimização do PT. A partir do momento em que o juiz determinar a execução da pena, a PF irá procurar os advogados do ex-presidente para acertar data e hora da apresentação no local da detenção. A expectativa é de que haja sensibilidade para o acordo. A idéia é não arriscar a integridade física dos envolvidos naquilo que já está sendo chamado internamente na PF de “A Operação”.

    Ante ao público, o petista tenta exibir entusiasmo. Esforça-se para não fraquejar frente à militância que ainda lhe resta. Amigos mais íntimos, no entanto, reconhecem que o ex-presidente “baqueou” com a acachapante derrota no TRF-4. Tanto que Lula nem acompanhou o julgamento até a batida derradeira do martelo. Acomodado numa salinha do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, levantou-se logo depois do segundo voto, de Leandro Paulsen. Minutos antes, nutrido de arroz, feijão e carne de panela, revelou aborrecimento ao ouvir a explosão de fogos de artifício, numa prévia da comemoração da derrota que àquela altura se avizinhava.

    FIM DO MITO? Diretório do PT, em São Paulo, estava esvaziado durante o julgamento (Crédito: Zanone Fraissat)

    A julgar pelo que ainda virá pela frente contra Lula, o centro de São Bernardo do Campo e de outras cidades do País, será palco de novos shows de foguetórios. Até o início de abril, o juiz Sergio Moro deve impor mais uma condenação a Lula: como resultado da ação penal sobre as propinas que o ex-presidente recebeu da Odebrecht, por meio de um apartamento duplex em São Bernardo do Campo, e de um terreno de R$ 12,4 milhões destinado pela empreiteira ao Instituto Lula. A outra acontecerá no caso do sítio de Atibaia – a sentença deve ficar pronta no segundo semestre. Nesses dois processos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – as mesmas acusações pelas quais ele foi condenado esta semana pelo TRF-4 a 12 anos e 1 mês – , Lula pode pegar até 42 anos de prisão se for condenado às penas máximas previstas no Código Penal. Para quem completa 73 anos no próximo dia 27 de outubro, data do segundo turno das eleições presidenciais da qual ele deverá estar inabilitado, significa dizer que o ex-presidente pode passar o resto de sua vida numa prisão.

    A segunda condenação

    O imóvel de São Bernardo, que deve render a Lula a segunda condenação, fica localizado no Edifício Hill House, onde o petista reside desde 1986, e é vizinho à sua cobertura no mesmo edifício. Para adquirir o apartamento, Lula usou o engenheiro Glaucos da Costamarques, de Campo Grande (MS), como “laranja”. Glaucos é primo do fazendeiro José Carlos Bumlai, amigo inseparável de Lula. Segundo o MPF, Glaucos recebeu dinheiro da Odebrecht e pagou R$ 504 mil no imóvel. Para justificar a ocupação da segunda cobertura, Lula disse que “pagava” aluguéis para Glaucos, mas a PF não localizou nenhum recibo desses pagamentos entre 2011 e 2015. Em 2017, durante a ação, Lula inovou. Apresentou recibos pretensamente assinados por Glaucos referentes ao ano de 2016. Os recibos, segundo o MPF, estavam nitidamente fraudados. O engenheiro os subscreveu de uma só vez quando estava internado no Hospital Sírio-Libanês. Os recibos, e outros documentos, ainda estão sendo periciados pela PF. Em seguida, Moro abrirá prazo para as alegações finais das partes. O petista dificilmente escapará. O empreiteiro Marcelo Odebrecht, que colaborou com a Justiça, deu detalhes dos pagamentos, que envolveu ainda a compra de um terreno para o Instituto Lula. Além dessas ações, o ex-presidente é investigado ainda em outros seis processos. Mesmo assim, o petista se comporta publicamente como se alheio estivesse a tudo o que pesa contra ele na Justiça.

    Na quinta-feira 25, Lula e dirigentes do PT, ao abrirem a reunião da Executiva Nacional do partido, na sede da CUT, em São Paulo, reafirmaram a candidatura do petista ao Planalto – em mais um capítulo na escalada sem precedentes de afronta à Justiça. “Eles construíram um cartel para dar uma sentença unânime para evitar o tal do embargo infringente”, bradou Lula. A permanecer nessa toada, o petista corre o risco de virar um fantasma de si mesmo ou uma figura quixotesca que tenta dominar a realidade com suas próprias fantasias. Sim, porque diante do novo quadro jurídico e da derrota por 3 votos a zero, a candidatura de Lula à Presidência se torna uma peça de ficção e deve obrigar o PT a pensar séria e rapidamente em alternativas para as próximas eleições.

    O SONHO ACABOU Militantes do MST desarmam barracas instaladas num parque em Porto Alegre, retornando para casa com sabor de derrota (Crédito:Domingos Peixoto)

    Ficha suja

    A Lei da Ficha Limpa é explícita quanto à inelegibilidade de um candidato condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em segunda instância e nada indica que o ex-presidente será uma exceção. Caso insista, mesmo assim, em levar adiante sua campanha para se reeleger pela terceira vez, ele corre o sério risco de deixar seu partido na mão quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que já dá indicações preliminares de que seguirá a letra da lei, decidir sobre seu caso. Em vez de esperar a resolução da situação jurídica do ex-presidente, partidos aliados, como o PCdoB e o PSOL, devem sair debaixo das asas do PT, levar adiante seus planos e partir para voos solos.

    A essa altura, as armas jurídicas de Lula são limitadas e o que lhe resta é espernear e repetir, de forma incansável, que não existe viva alma mais honesta do que ele – uma piada, por óbvio. O ex-presidente até terá a possibilidade de recorrer à decisão colegiada do TRF-4 com embargos declaratórios, mas que são insuficientes para reverter a condenação e se limitam a analisar ambigüidades e contradições da decisão. Restam-lhe as opções de entrar com recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) num último – e inútil – esforço para reverter sua pena. Para o antropólogo Roberto DaMatta, professor da PUC-Rio, o julgamento do TRF-4 fecha, de maneira peremptória, um capítulo importante da história do Brasil. “É um drama social que chegou ao fim, de um presidente da República que cometeu um crime”, afirma. “Um lado meu está triste porque se tratou de um presidente cuja popularidade foi inigualável, mas a decisão da Justiça não deixa dúvidas de que ele se corrompeu”.

    Como dizia o deputado Ulysses Guimarães: “o mal de Lula é que ele gosta de viver de obséquios”

    A reputação ilibada do petista começou a ruir no longínquo ano de 2005. Ainda está bem viva na memória da maioria a célebre entrevista em Paris em que Lula, cândida e calmamente, diante das câmeras, tentou justificar o mensalão, reduzindo-o a mero caixa dois: “O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente. Se o partido cometeu erros, tem de explicar para a sociedade onde errou, porque errou e o que vai fazer para consertar o erro. Mas não é por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção”. Ali, brasileiros concederam a ele e ao PT o benefício da dúvida. A presunção da inocência. Anos depois, descobriu-se que tudo não passava de uma tentativa de dourar mais uma narrativa. Concomitante ao mensalão, veio o aparelhamento da máquina do Estado a serviço de um projeto de perpetuação no poder. O Petrolão representou a sofisticação do escândalo anterior. A ele, foi embutido, além do projeto de poder, o benefício pessoal e o enriquecimento próprio. A farsa se materializou. Se Lula ainda possui aquilo que o filósofo espanhol José Ortega y Gasset chamava de “fundo insubornável do ser”, ou seja, o mais íntimo pensamento naquela hora em que o indivíduo encara o seu reflexo no espelho e tenta reconhecer a própria face, a ele restam dias de melancolia.

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