O julgamento célere na segunda instância não reduz a incerteza na corrida eleitoral. Mesmo se condenado, Lula tem um sem-número de recursos
A celeridade incomum do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no célebre caso do triplex do Guarujá, marcado para 24 de janeiro no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), não reduz a incerteza na campanha eleitoral de 2018.
Ao contrário, os múltiplos cenários depois de uma provável condenação prometem manter em suspenso por meses a legalidade da candidatura Lula. Mesmo com o veto previsto na Lei da Ficha Limpa a condenados em segunda instância, ele tem à disposição um sem-número de recursos e manobras jurídicas.
Pode obter na Justiça uma liminar para suspender a inelegibilidade, como previsto no artigo 26 da lei. Esse recurso teria de ser avaliado por um relator num tribunal superior – em princípio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, depois julgado em plenário. Caberia ainda recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Caso tenha sido condenado e tente registrar sua candidatura sem a liminar, ela deverá ser impugnada pelo Ministério Público. Teria de ser julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nessa situação, também caberia um apelo ao STF em caso de derrota.
Se a condenação pelos três juízes da oitava turma do TRF-4 não for unânime, a defesa de Lula poderá apresentar recursos conhecidos como “embargos infringentes”. Isso arrastaria o processo por mais alguns meses, até que eles fossem avaliados por sete juízes na quarta seção do tribunal. A Lei da Ficha Limpa é omissa sobre a inelegibilidade no intervalo entre os dois julgamentos, abrindo espaço para mais uma decisão do STF.
Lula pode, a qualquer momento, desistir de ser candidato. O que ele faria se o TRF-4 determinasse a execução da pena de prisão? Campanha da cadeia ou de prisão domiciliar? Ou sairia do páreo? A data limite para o PT trocar a cabeça de chapa é 20 dias antes do pleito, 17 de setembro. Se Lula não desistir enquanto aguarda o julgamento de recursos e depois perder, seus votos podem ser declarados inválidos, e a eleição pode até ser anulada.
Tudo isso fará da corrida eleitoral de 2018 um caso inédito. Lula aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e representa uma parcela significativa do eleitorado. Seu discurso tem se tornado mais e mais raivoso. Quanto mais conseguir arrastar seu processo de modo a posar de vítima da Justiça, a se fazer de “perseguido político”, melhor para seus objetivos eleitorais.
Embora favorecido na urna pela batalha judicial, uma sucessão de derrotas pode induzir um efeito colateral nocivo para o próprio Lula. Difícil acreditar que ele mantenha sua candidatura mesmo diante da perspectiva de anulação do pleito. Nesse caso, cederia o lugar a outro petista, um nome como o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ou o ex-governador baiano Jaques Wagner.
Mas é também provável que tente arrastar essa decisão o quanto puder. Há até a possibilidade de desistência entre os dois turnos. Quanto mais conseguir participar da campanha, mesmo em prisão domiciliar, mais terá a oportunidade de inflamar o eleitorado e de convencê-lo a, quando chegar a hora, votar em qualquer outro petista.
A confusão beneficia Lula, mas a incerteza não reduz suas dificuldades eleitorais. Mesmo que convença os partidários de suas teorias conspiratórias, é duvidoso que a maioria dos brasileiros aceite votar num criminoso condenado por corrupção. A rejeição a Lula caiu nos últimos meses, mas ainda é a mais alta entre todos os pré-candidatos. O noticiário de 2018 se encarregará de aumentá-la quase por inércia. Todos os adversários farão campanha diuturna para lembrar os crimes petistas. Há delações e depoimentos de sobra para alimentar o horário eleitoral.
Para o PT, continua a ser mais sensato apostar noutro nome, que receba apoio de Lula e, ao mesmo tempo, traga de volta os eleitores de classe média perdidos na gestão desastrosa da ex-presidente Dilma Rousseff. Lula sabe disso. Mas tentará coreografar seus movimentos de acordo com os passos da Justiça, de modo a extrair o maior benefício possível para o partido e para si mesmo.
Por Helio Gurovitz – G1
Foto: Adriano Machado/Reuters