Sérgio Moro realiza videoconferência com o ex-presidente Lula (VEJA)
Em depoimento por videoconferência, petista também negou que Michel Temer pediu por nomeação de Jorge Zelada na Petrobras
O ex-presidente Lula teve nesta quarta-feira o primeiro contato com o juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato em Curitiba. Arrolado como testemunha de defesa do ex-deputado Eduardo Cunha na ação penal em que o peemedebista é réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, o ex-presidente foi à sede da Justiça Federal em São Bernardo do Campo (SP), cidade onde mora, e prestou depoimento por videoconferência.
Antes de começar a ser inquirido, Lula relatou ter sido orientado por seus advogados de que poderia se calar, mas que fazia questão de responder. “O maior interessado na verdade sou eu”, disse a Moro. O petista é réu na Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Nos cerca de dez minutos de sua oitiva, o ex-presidente negou ter conhecimento da influência de Cunha na Petrobras e na compra pela estatal de um campo de petróleo no Benin, na África. Preso em Curitiba há mais de um mês, o ex-presidente da Câmara é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter recebido 5 milhões de dólares na transação. Cunha acompanhou a oitiva de Lula ao lado de seu advogado, Marlus Arns.
Embora a Operação Lava Jato tenha comprovado a lógica do esquema de corrupção na Petrobras, de troca de sustentação política a diretores da estatal por propina a partidos, Lula descreveu o processo de nomeação à cúpula da petrolífera e garantiu que o único quesito levado em conta nas nomeações eram as credenciais técnicas dos indicados.
“Só tem uma exigência feita para indicar: que a pessoa seja tecnicamente competente. Que a pessoa tenha conhecimento da atividade que vai fazer. E todos eles foram indicados, são pessoas que tem competência e historia dentro da Petrobras”, disse o ex-presidente, ao explicar como se deu a indicação, pelo PMDB, do ex-diretor da área Internacional da Petrobras e delator da Lava Jato Nestor Cerveró.
O advogado de Cunha questionou Lula duas vezes a respeito do presidente Michel Temer. O ex-presidente disse que Temer não pediu pela indicação de Jorge Zelada, sucessor de Cerveró na diretoria Internacional, e negou que tenha se reunido com o peemedebista e o ex-deputado Henrique Alves em 2007 para tratar da indicação de Graça Foster à diretoria de Gás e Energia da Petrobras.
Embora delatores da Lava Jato digam que o engenheiro e lobista João Augusto Henriques, apontado como operador de Cunha, tenha sido indicado para suceder Cerveró e barrado pelo governo, Lula disse no depoimento não saber sobre o assunto.
Após as 17 perguntas da defesa de Cunha, sete das quais respondidas brevemente com“não”, o procurador da força-tarefa da Lava Jato Diogo Castor de Mattos questionou Lula sobre quais partidos poderiam reivindicar cargos na Petrobras. “Todos os partidos que compuseram a base do governo. Eu já expliquei mais que uma vez que quando o partido compõe uma aliança política para governar, todos os partidos que compõem podem reivindicar ministérios, reivindicar cargos. Esses partidos então fazem parte do governo. Era assim que era montado antes e durante e é assim que é montado agora”, respondeu Lula.
Leia abaixo o depoimento completo de Lula na Lava Jato:
Defesa de Cunha: o senhor sabe dizer como foi a nomeação de Nestor Cerveró?
Lula: Se deu como outros membros da direção da Petrobras, a indicação ou é feita em uma conversa entre um ministro da área com um partido, com a bancada do partido que fez coalizão com o governo. Essa pessoa, se indicada pelo partido, vem através do ministro de relações institucional para a Casa Civil que manda pro GSI. Se não tiver nada contra essa pessoa, essa pessoa é indicada para o Conselho da Petrobras, que é quem nomeia na verdade, o Cerveró e qualquer outro dirigente.
Defesa de Cunha: o senhor sabe se neste caso houve indicação do ex-senador Delcídio do Amaral e do Zeca do PT?
Lula: Não. A informação que eu tenho é de que a indicação era do PMDB.
Defesa de Cunha: o senhor sabe como se deu a substituição do Nestor Cerveró por Jorge Zelada?
Lula: Não.
Defesa de Cunha: o senhor tem conhecimento de quem indicou o Jorge Zelada, se foi o PMDB?
Lula: Eu acredito que tenha sido o PMDB, da mesma forma que o Cerveró foi indicado. A ação pelo Congresso, pela bancada, pelo partido, pela Casa Civil, pelo ministro de Relações Institucionais, passa pelo GSI e se a pessoa não tem nada, só tem uma exigência feita para indicar: que a pessoa seja tecnicamente competente. Que a pessoa tenha conhecimento da atividade que vai fazer. E todos eles foram indicados, são pessoas que tem competência e historia dentro da Petrobras.
Defesa de Cunha: houve pedido do presidente do PMDB à época, Michel Temer?
Lula: Não.
Defesa de Cunha: houve um pedido do ministro Walfrido Mares Guia?
Lula: Ele não faz pedido. Ele, como ministro, e outros ministros das Relações Institucionais, não fazem pedido, apenas levam a presidência através da casa civil as indicações feitas pelo partido que é coligado com o governo.
Defesa de Cunha: o deputado federal José Mucio levou essa indicação do Jorge Zelada ao senhor?
Lula: Não sei se na época era ele o ministro, se era ele o ministro, era ele que levaria. E não levaria a mim primeiramente, levaria à Casa Civil que mandaria pro GSI que faria a investigação e depois chegaria então para mandar à Petrobras.
Defesa de Cunha: o senhor se recorda se havia ou houve alguma vinculação entre a escolha de Jorge Zelada como diretor e a aprovação da CPMF no Congresso?
Lula: Não.
Defesa de Cunha: em 26 de setembro de 2007, foi publicado no jornal O Globo uma matéria informando que o senhor Michel Temer e o senhor Henrique Alves foram chamados pelo senhor para uma reunião no Planalto. Essa reunião seria para nomear Graça Foster na diretoria de Gás e Energia da Petrobras e de Dutra à presidência da BR. Essa reunião ocorreu? Gerou algum desconforto essa matéria?
Lula: Se ocorreu, não me comunicaram. Eu desconheço qualquer reunião.
Defesa de Cunha: o senhor sabe se houve alguma resistência dos deputados à manutenção de Nestor Cerveró na direção da área Internacional da Petrobras?
Lula: Desconheço.
Defesa de Cunha: tem conhecimento da participação de Eduardo Cunha na nomeação de Jorge Zelada como diretor?
Lula: Não.
Defesa de Cunha: o senhor tem conhecimento por que Nestor Cerveró, após a saída da Petrobras, foi para a diretoria financeira da BR?
Lula: Não. Certamente que foi indicado porque tinha competência para o cargo.
Defesa de Cunha: de alguma forma tomou conhecimento sobre os negócios para a compra do campo de Benin?
Lula: Não.
Defesa de Cunha: nesse assunto, o senhor ouviu de alguma forma que tenha ocorrido a participação de Eduardo Cunha?
Lula: Não.
Defesa de Cunha: o colaborador Eduardo Musa mencionou que Jorge Zelada foi indicado pela bancada mineira do PMDB, mas que a palavra final da indicação era do Eduardo Cunha. O senhor tinha essa informação à época?
Lula: O que eu conheço é que a indicação era do PMDB. E não de bancada estadual.
Defesa de Cunha: é correta a informação de que João Augusto Henriques foi indicado para diretoria Internacional, mas o nome foi vetado?
Lula: Se foi, não chegou a mim.
Defesa de Cunha: sabe dizer qual foi a participação de José Carlos Bumlai na tentativa de manter Nestor Cerveró na diretoria Internacional?
Lula: Não.
Diogo Castor de Mattos (MPF): quais partidos tinham participação na indicação de cargos da Petrobras?
Lula: Veja, todos os partidos que compuseram a base do governo. Eu já expliquei mais que uma vez que quando o partido compõe uma aliança política para governar, todos os partidos que compõem podem reivindicar ministérios, reivindicar cargos. Esses partidos então fazem parte do governo. Era assim que era montado antes e durante e é assim que é montado agora.
Diogo Castor de Mattos (MPF): mas especificamente à Petrobras, todos os partidos da base indicaram cargos ou foi restrito a alguns partidos?
Lula: Não, porque não tem cargo para todo mundo.
Diogo Castor de Mattos (MPF): então nesse caso quais seriam os partidos?
Lula: Não sei agora de cabeça quais partidos, mas eu sei que o PMDB indicou cargo na Petrobras, sei que o PP indicou cargo na Petrobras, sei que o PT indicou cargo na Petrobras. E tem outros cargos que nem passa pela Casa Civil, nem passa pelo Conselho.
Por João Pedroso de Campos – Veja.com