Propostas tramitaram rapidamente após soltura de Lula, em 2019, mas apenas audiências foram realizadas em 2020 no Congresso
Os projetos que pretendem instituir a prisão após condenação em segunda instância no país estão há um ano sem avanços significativos no Congresso. As três iniciativas que preveem essa mudança não foram prioridade da Câmara e do Senado em 2020 e correm o risco de ficar ainda mais para trás com as eleições para a presidência das Casas Legislativas, em fevereiro.
O tema se tornou uma das prioridades de parte dos parlamentares em novembro do ano passado, após o STF mudar um entendimento sobre o tema que permitiu a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já condenado em segunda instância, mas que recorre da decisão.
As iniciativas então ganharam um novo impulso. Uma delas, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 199/2019, do deputado federal Alex Manente (Cidadania-SP), surgiu logo após a soltura de Lula e passou a ser tratada como prioridade por setores do Congresso. Ela foi apoiada também pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, ícone da defesa da prisão em segunda instância.
O texto estabelece que a ação se encerra na segunda instância, sendo necessário iniciar outra ação para recorrer aos tribunais superiores. Dessa forma, a regra tenta evitar contestações, já que a Constituição considera cláusula pétrea trecho que aborda direitos fundamentais do cidadão – entre eles a possibilidade de aguardar em liberdade o fim do julgamento.
A iniciativa tenta institutir a prisão em segunda instância não só para condenações criminais, mas também de outras esferas, como tributária e trabalhista.
A admissibilidade do projeto foi reconhecida pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara em novembro do ano passado, mas pouco avançou depois disso. Em 2020, foram realizadas audiências, uma delas com a presença de Moro. Com a saída do ministro do governo, em abril, os defensores da prisão em segunda instância perderam a principal voz de apoio ao projeto dentro do governo.
O principal golpe para a iniciativa, porém, aconteceu um mês antes, com a chegada da pandemia. O Congresso reduziu os trabalhos, e a comissão mista da Câmara que analisava o texto foi paralisada, dificultando a formação de um consenso em relação ao tema.
No segundo semestre, diversos parlamentares se manifestaram pelo retorno da comissão. Mesmo sem isso acontecer, o deputado Fábio Trad (PSD-MS), relator do projeto, apresentou parecer favorável à aprovação do texto, em setembro. Mas nem isso e nem a soltura em outubro do traficante André do Rap, que já era condenado em segunda instância, fizeram o Congresso priorizar o tema.
O deputado Alex Manente afirmou ao R7 que o projeto não está parado e já passou por todas as audiências públicas.
“Veio a pandemia, que paralisou o trabalho de todas as comissões. Estamos lutando para retomar. Acredito que no ano que vem, com a retomada das comissões, ela retomará normalmente seus trabalhos para votar o relatório”, afirmou.
Eleições
Outro possível empecilho ao avanço do tema é a fragmentação do Congresso e as novas eleições para o comando das Casas.
Isso porque o apoio de partidos de esquerda, que tradicionalmente são contra a prisão em segunda instância, passou a ser considerado estratégico para vencer a eleição para o comando do Legislativo, especialmente a Câmara.
O deputado Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo governo, chegou a buscar uma aliança com PT. Outro grupo, liderado pelo atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que ter efetivamente conseguido o apoio do Partido dos Trabalhadores, assim como do PSB, PDT, PCdoB e Rede.
Manente afirma que a mudança no comando da Câmara não diminui a chance de o projeto ser votado.
“Nós trabalharemos para que a PEC tenha o compromisso de qualquer presidente que ganhe de pautar para votação no plenário, porque é uma resposta que a sociedade brasileira aguarda”, afirma.
Outros projetos
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou no começo do ano que a Casa aguardaria o andamento do projeto da Câmara em vez de colocar em votação as iniciativas de senadores sobre o tema. Uma delas é a PEC 5/2019, do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que pouco avançou.
A outra iniciativa progrediu mais. Trata-se do projeto de lei 166/2018, do senador Lasier Martins (Podemos-RS). Ela não altera a Constituição, mas sim o Código de Processo Penal para permitir a prisão após condenação em segunda instância.
Atualmente, o artigo 283 do código prevê que a prisão só poderá ocorrer “em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado” ou, durante a investigação ou processo, de forma cautelar – temporária ou preventiva.
O projeto foi aprovado pela CCJ do Senado em 10 de dezembro do ano passado, por meio de decisão terminativa. Isso permitiria que o texto fosse direto para a Câmara, sem passar pelo plenário do Senado.
No entanto, senadores apresentaram recurso contra a decisão, o que obriga que o projeto agora passe pelo plenário.
O texto, porém, nunca foi pautado e é mais uma das iniciativas sobre segunda instância empacadas em 2020.