O PT deixou de lado programas, propostas e ideologia para venerar seu líder a qualquer custo
Germano Oliveira e Tábata Viapiana – ISTOÉ
Uma das características marcantes das seitas é a idolatria cega aos seus líderes, elevados a seres especiais com autoridade divina e liderança existencial. Quando o fanatismo invade o terreno político, os programas e as bandeiras partidárias se tornam descartáveis. Cedem lugar à adoração e à reverência, típicas de culto. Os militantes se transformam, então, em indivíduos abnegados, desprovidos de espírito crítico e freios morais. Ao acreditarem na infalibilidade dos caciques por eles venerados, a ponto de incluírem a alcunha deles em seus nomes, mesmo quando condenados e presos por corrupção, os “fiéis” exibem traços de fundamentalismo. Foi o que o Brasil testemunhou nos últimos dias, em meio ao espetáculo deprimente em que se transformou a prisão de Lula e os dias que a sucederam. No domingo 8, com o petista já encarcerado na sede da PF em Curitiba, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, parecia cumprir uma liturgia ecumênica. Como se exortasse o rebanho a adorar seu “deus”, ela pronunciava frases repetidas como um mantra. “Não vamos sair daqui”, ditava Gleisi. “Não vamos sair daqui”, copiavam eles. “Ocupar e resistir”, ordenava. “Ocupar e resistir”, assentia a turba. Até o bordão final, entoado em uníssono: “Eu sou Lula”. Semelhante ao cortejo de uma seita, a dispersão se deu vagarosamente.
O líder adorado tinha dado o tom no dia anterior. Segundo ele, a polícia havia prendido seu corpo, não sua mente, como se ele fosse a reencarnação de Jesus Cristo. “Não sou mais um ser humano, sou uma ideia”, pregou Lula durante discurso feito horas antes de ser conduzido à cadeia. Ato contínuo, os militantes choravam, gritavam, se embriagavam, literalmente, e transformavam os momentos de tensão da prisão do morubixaba petista num ato de auto-imolação. Enfim, compunham uma atmosfera de histeria coletiva. Dois dias depois de dizerem “Eu sou Lula” em frente à PF, Gleisi e mais 36 políticos virariam Lula na prática. Acrescentaram o nome do ex-presidente, outrora apelido, em seus registros parlamentares. Assim, Gleisi passou a se chamar “Gleisi Lula Hoffmann”, Paulo Pimenta, “Paulo Lula Pimenta” e assim sucessivamente. Impressionados com a reação dos petistas, agentes da PF local chegaram a compará-los a seguidores de seitas radicais, como a de Jim Jones, um pastor do Tempo Popular, com orientação socialista, que no auge de sua insanidade ordenou que seus 918 discípulos cometessem o suicídio coletivo em Jonestown em 1979, depois de submetê-los a um intenso processo de lavagem cerebral.
A história da humanidade está repleta de exemplos de que sempre quando a política se mistura com o fanatismo, o resultado é desastroso para a democracia. Quase sempre levam ao totalitarismo. Aconteceu em Cuba, com Fidel Castro, e na Venezuela, com Hugo Chávez, agora replicado por seu herdeiro Nicolás Maduro. Lá, a manipulação popular acabou empurrando o país ao caos social. Na Europa, o fanatismo aliado à política descambou no fascismo de Benito Mussolini na Itália e no nazismo de Hitler, na Alemanha da década de 40. O saldo não poderia ter sido mais funesto: milhões de judeus foram asfixiados em câmeras de gás por discordarem de um louco varrido. Daí o perigo desse comportamento tão alucinante quanto oportunista.
Os dirigentes petistas parecem não se importar com isso. A ordem é manipular as massas na tentativa de regressar ao poder a todo custo, nem que seja para levar o País ao abismo econômico e social, como ocorreu durante o governo Dilma Rousseff. Por isso, nos últimos dias, fizeram de tudo para ampliar a atmosfera mística em torno da prisão de Lula, que em carga de dramaticidade e holofotes lembra em muito o episódio da detenção do ex-jogador de futebol americano O.J. Simpson, televisionada ao vivo para todo País. Para manter a toada de culto ao personagem, pela manhã, liderados por Gleisi Hoffmann, os mil manifestantes que acampavam nas imediações da PF, passaram a gritar: “Bom dia companheiro Lula”. As saudações se repetiam à tarde e à noite, antes do repouso do petista. O PT também deslocou o QG do partido para Curitiba. A sigla anunciou que estava transferindo sua sede nacional, que funciona em São Paulo, para a capital paranaense na segunda-feira 9. No mesmo dia, aproveitou para promover uma reunião da Executiva Nacional para reafirmar que “Lula será o candidato do PT a presidente”, mesmo preso, mesmo à revelia da lei da Ficha Limpa. Ao abandonarem seus gabinetes em Brasília e se instalarem permanentemente na cidade, senadores, como Roberto Requião (MDB), além de Gleisi e Lindbergh, praticamente passaram a dar expediente na porta da cadeia. Como cada senador custa para a União R$ 1,2 milhão por ano, segundo levantamento da Transparência Brasil, se eles ficarem um mês por lá, como prometem, o País estará desperdiçando uma verdadeira fortuna.
Na terça-feira 10, o PT ainda atraiu para Curitiba nove governadores da oposição, entre os quais quatro da legenda: Camilo Santana (Ceará), Rui Costa (Bahia), Wellington Dias (Piauí) e Tião Viana (Acre). Tudo para reverenciar o preso Lula. Eles chegaram a exigir que pudessem visitar o petista na cela especial, onde passa os dias vendo TV, lendo livros, comendo marmita, pão com manteiga e tomando café preto, mas bateram com a cara nos portões da PF de Curitiba. O pedido foi negado, por contrariar a legislação. Gleisi ainda tentou ludibriar o juízo ao incluir seu nome na lista de visitantes na condição de advogada.
Ocorre que, além de não exercer o ofício há mais de uma década, Gleisi está com a carteira da OAB suspensa. Segundo a PF, além dos causídicos, até quatro parentes de primeiro e segundo graus podem fazer visitas aos presos às quartas-feiras, em um período pela manhã e outro à tarde. A Lei de Execução Penal diz que cônjuges, companheiros, parentes e amigos podem visitar presos “em dias determinados”. Apesar da insistência, o juiz Sergio Moro negou condições especiais para visitas ao ex-presidente. O magistrado determinou que Lula se submeta às mesmas condições de outros condenados – nada mais do que justo.
No final da semana, um grupo de senadores conseguiu driblar Moro: aprovaram na Comissão de Direitos Humanos da Câmara uma diligência à sede da PF em Curitiba para visitar as instalações da carceragem, incluindo a cela onde o petista está preso.
Dez senadores compõem a lista. Os chefes dos Executivos estaduais, no entanto, seguem impedidos de entrar na carceragem. Barrados no baile, os governadores deixaram uma carta escrita de próprio punho, que chamaram de “registro de indignação”. O curioso é que ninguém se indignou quando Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, encontrava-se na mesma situação. Palocci permanece preso, sem regalias, sem que ninguém do PT chore por ele e em tratativas avançadas para uma delação premiada, mas essa é outra história. Enquanto os petistas ensaiavam mais um discurso de vítima, o braço armado da legenda, o MST, promovia mais uma de suas arruaças. Desta vez, com indícios de crime. Na quarta-feira 11, por volta das 18h, centenas de militantes do movimento Sem-Terra invadiram o Call Center da Riachuelo, em Natal (RN), anunciando que a ação acontecia em nome da liberdade de Lula. O empresário Flávio Rocha, dono da empresa e pré-candidato a presidente da República pelo PRB, já havia sido alvo de outra invasão semelhante numa fábrica da empresa no Rio Grande do Norte, ocasião em que disse tratar-se de atos “de terroristas e baderneiros”.
Sempre quando a política descamba para o fanatismo, o resultado é desastroso para a democracia. Venezuela é um exemplo
A verve messiânica de Lula vem de longe. Em 2010, logo que deixou o governo, o petista usou a imagem do filho de Deus para dizer que foi vítima de traições no governo. “Se eu pudesse exibir uma imagem das punhaladas que levei e pudesse tirar a camisa, meu corpo apareceria mais destroçado do que o de Jesus”. Em 2005, no auge do mensalão, ele declarou ser “um homem sem pecados”, tentando eximir-se da lama em que outros dirigentes petistas se meteram. Depois, se descobriu que Lula tinha sim ciência do esquema. Em depoimento à Justiça em 2017, ele se saiu com essa heresia: “De vez em quando, eu fico pensando que as pessoas tinham de ler mais a Bíblia para não usar tanto meu nome em vão”. Mas Lula não se restringe a se considerar um ser divino. Não raro, o ex-presidente refere-se a ele mesmo na terceira pessoa, como se fosse uma entidade superior, acima do bem e do mal. “O Lula não é o Lula. O Lula é uma idéia, assumida por milhões de pessoas. E eles não sabem que o Lula já renasceu em milhões de mulheres e homens”. Num evento em Belo Horizonte, classificou ele próprio como um ser distinto dos demais: “Eles estão lidando com um ser humano diferente. Porque eu não sou eu. Eu sou a encarnação de um pedacinho de célula de cada um de vocês”. Em agosto do ano passado, o PT já havia cimentado uma imagem de Lula ligada à santidade durante a caravana do ex-presidente pelo Nordeste. No material de divulgação do partido, Lula era tratada como o “pai” dos nordestinos. As imagens da caravana abusavam da estética religiosa, ao exibir Lula sendo “tocado” pelo povo – como os fiéis tentam fervorosamente alcançar a imagem de santos nas procissões.
Um mês depois, em setembro, o ex-ministro Antonio Palocci, que conhece como as coisas funcionam no seio do PT, sapecou. “Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”, questionou ele em sua carta de desfiliação do PT. O ex-ministro sabe como ninguém que o petismo cooptou os chamados movimentos populares e acenou para os pobres com um outro mundo possível, fazendo tabula rasa das dificuldades que outros governantes enfrentaram, atribuindo-as à falta de competência ou de vontade. Pelo receituário petista, só o “deus” Lula seria capaz de levá-los a terra prometida, com desenvolvimento econômico, igualdade social e oportunidade de trabalho para todos. Uma farsa, por óbvio, cujos pilares desmoronaram como um castelo de cartas durante os anos do PT no poder e foram de vez aniquilados com a descoberta da corrupção institucionalizada.
Um mês depois, em setembro, o ex-ministro Antonio Palocci, que conhece como as coisas funcionam no seio do PT, sapecou. “Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”, questionou ele em sua carta de desfiliação do PT. O ex-ministro sabe como ninguém que o petismo cooptou os chamados movimentos populares e acenou para os pobres com um outro mundo possível, fazendo tabula rasa das dificuldades que outros governantes enfrentaram, atribuindo-as à falta de competência ou de vontade. Pelo receituário petista, só o “deus” Lula seria capaz de levá-los a terra prometida, com desenvolvimento econômico, igualdade social e oportunidade de trabalho para todos. Uma farsa, por óbvio, cujos pilares desmoronaram como um castelo de cartas durante os anos do PT no poder e foram de vez aniquilados com a descoberta da corrupção institucionalizada.
O ex-deputado, ex-militante de esquerda e jornalista Fernando Gabeira foi um dos primeiros a relacionar a política a aspectos sectários. Em seu livro de memórias Onde Está Tudo Aquilo Agora? – Minha Vida na Política, ele narra as desventuras da militância de esquerda como se relatasse os descaminhos de uma seita primitiva. Em trechos da obra, Gabeira associa o engajamento político ao fanatismo de crentes. “Minha experiência tinha um ardor religioso”, disse ele sobre o período em que mergulhou na clandestinidade. Herbert José de Sousa, o Betinho, não raro usado como bandeira em programas eleitorais do PT da década de 90, também já falava sobre o irracionalismo que permeava a militância partidária fanática. “É equívoco pensar que a esquerda (àquela altura representada pelo PT) é antirreligiosa. A tendência é ser religiosa. Porque ela deriva de um padrão dogmático”. Mesmo sendo cristão, o filósofo e pai do liberalismo John Locke já dizia, no século XVII, que a assistência moral era mais importante para o povo do que os dogmas. O lulopetismo preferiu o segundo, agora sabemos por que.
O santo do pau oco
Nos discursos proferidos por Lula, ele se compara a Jesus Cristo
“Sou um homem sem pecados”
“Se eu pudesse mostrar uma imagem das punhaladas que levei e tirar a camisa, meu corpo apareceria mais destroçado do que o de Jesus”
“Não sou mais um ser humano, sou uma ideia”
“Não tem viva alma mais honesta do que eu”
“De vez em quando, eu fico pensando que as pessoas tinham de ler mais a Bíblia para não usar tanto meu nome em vão”
“O Lula não é o Lula. O Lula é uma ideia, assumida por milhões de pessoas. E eles não sabem que o Lula já renasceu em milhões de mulheres e homens”
“Eles estão lidando com um ser humano diferente. Porque eu não sou eu. Eu sou a encarnação de um pedacinho de célula de cada um de vocês”
Enquanto isso… o povo incauto
Regalias sem fim
Lula está preso na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba desde sábado 7, mas ainda não viu o sol nascer quadrado, como se diz no jarguão policial. Afinal, sua suíte, com 15 metros quadrados, banheiro privativo, chuveiro quente, quarto com cama e colchão macio, mesinha, não tem grades. No primeiro dia, exigiu também um aparelho de televisão para ver o jogo do Corinthians, time do coração. No domingo 8, pôde comemorar o título na companhia do advogado Cristiano Zanin. Lá, come bem. O cardápio é variado: café com leite, pão com manteiga às 6h. Almoço às 11h, com arroz, feijão, macarrão, carne, salada. O mesmo no jantar, servido às 17h. Não satisfeito com as mordomias, fez uma série de outras exigências: um cozinheiro de sua confiança; a participação dos oito seguranças da PF que ele ainda desfruta por ser ex-presidente na guarda de sua cela e que ele tivesse uma academia de ginástica para se exercitar. A juíza federal Carolina Lebbos autorizou a benesse. Terá também água gelada. No final da semana, o juiz Sergio Moro bateu o martelo: nada mais será autorizado. Se comparadas as mordomias de Lula com a situação dos demais presos da Lava Jato, que já são especiais, o petista vive num hotel cinco estrelas. Já frente à realidade dos 720 mil presos do sistema penitenciário brasileiro, era como se Lula estivesse num SPA de luxo.