O presidente hasteia bandeira branca e reúne a imprensa, os empresários, o sistema financeiro e os políticos do Congresso Nacional no salutar vale-tudo pela aprovação da reforma da Previdência
Rudolfo Lago e Wilson Lima – ISTOÉ
Ao final do café da manhã do presidente Jair Bolsonaro com um grupo de jornalistas na quarta-feira 13, o chefe do Gabinete Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, não escondia o regozijo. “Essas conversas são fundamentais”, comemorava o general para um grupo de assessores militares que atua na área de comunicação da Presidência da República.
“A maioria deles não conhece o presidente. E acaba tendo uma visão equivocada sobre ele”, comentava. Na verdade, a recíproca, não mencionada por Heleno, era também verdadeira: o presidente não conhece a maioria dos jornalistas e, por isso, cultiva uma visão equivocada a respeito deles e do trabalho da imprensa. Ao incluí-los na roda de conversas, Bolsonaro ampliou o grupo de interlocutores. “Estou buscando um casamento com vocês”, declarou o presidente adotando um tom inédito desde a posse ou mesmo antes dela. Essas mesas de diálogos deverão se tornar rotineiras daqui em diante, mas não se restringirão à imprensa, por óbvio. Fazem parte da estratégia que o mandatário começa a compreender como vital — longe da contenda ideológica travada via redes sociais — para deslanchar a parte mais necessária e ao mesmo tempo mais espinhosa e intrincada da agenda governamental: a reforma da Previdência.
Para aprová-la, ele propõe, à sua maneira, hastear uma bandeira branca. O primeiro grande armistício mundial foi responsável por cessar a chamada Grande Guerra em 11 de novembro de 1918. O armistício que Bolsonaro quer levar adiante, neste caso, constitui o início de sua primeira guerra pessoal, a batalha pela reforma. Para vencê-la, o presidente convoca ao debate não apenas os meios tradicionais de comunicação, como também empresários, o sistema financeiro e os políticos do Congresso Nacional. “Sabemos que a reforma da Previdência é salgada”, reconheceu Bolsonaro na terça 13. “Mas nós temos um compromisso de tirar o país da crise”, ponderou. O mantra que o presidente tem repetido como ladainha em procissão é “a reforma da Previdência ou o caos”. “Já está claro que se a reforma não for aprovada, o Brasil quebra em 2022”, diz ele. O vale-tudo, desta vez saudável, por esse intento fundamental para disciplinar as contas do País embute apelos para o “espírito patriótico” dos parlamentares e, é claro, à velha e surrada liberação de emendas.
R$ 1 bilhão em emendas
Reside aí um estilo Bolsonaro de governar. O presidente resiste, pelo menos por enquanto, a ceder completamente às pressões do Congresso para a volta do “toma lá, dá cá” mais descarado. Na conversa com os jornalistas, por exemplo, Bolsonaro comemorava a estratégia adotada de liberar R$ 1 bilhão de emendas impositivas (obrigatórias) ao orçamento. “Se as emendas eram impositivas, o governo tinha de liberar. Não tem toma lá dá cá”. Foi um bom escape retórico. Na prática, será preciso saber como e se irá funcionar. “O presidente pode usar esse argumento. Liberou emendas impositivas, de forma não discricionária. Para governo e oposição. Então, não se pode falar em contrapartida”, observa Leopoldo Vieira, analista do IdealPolitiks. De fato, um dia depois da liberação, assistiu-se a uma reação inusitada: sua base reclamava mesmo com a liberação do R$ 1 bilhão. Justamente pela falta do “toma lá, dá cá” tradicional. A jogada explicitou o desejo de quem quer retomar o balcão de negócios e mostrou de que lado da trincheira o governo está: o da boa política. Irá funcionar? Só o tempo irá dizer, mas trata-se de uma aposta louvável. A opinião pública, nesse round específico, está inteiramente do lado do presidente.
Em conversas na última semana, Bolsonaro reforçou que pretende manter o perfil técnico de seu Ministério, sem ceder à pressão política por cargos. Se ele for capaz de manter entre o distinto e respeitável público a ideia de que o achaque parte do Congresso, ele pode vir a ter sucesso. Entre as duas Casas Legislativas, o governo entende que a Câmara será o principal obstáculo. Pela natureza, em geral, fisiológica do voto e perfil dos deputados. Em um Senado composto em grande parte por ex-governadores, o presidente acredita que a tramitação será mais fluida, uma vez que haveria uma percepção maior da necessidade da aprovação. “No Senado, acho que vou ter votos até mesmo no PT”, aposta. “Se todos jogarmos no mesmo time, o Brasil dá um salto”, prega Bolsonaro.
“Reforma não pode ser desidratada”
O governo até admite que mudanças acontecerão na proposta de reforma ao longo da sua tramitação. Para não entregar os dedos antes mesmo dos anéis, ninguém no Palácio do Planalto revela quais são os pontos passíveis de negociação. Mas Bolsonaro faz questão de alertar a quem quiser ouvir: a reforma não pode ser desidratada totalmente pelo Congresso, ou não terá os efeitos desejados. Foi o que aconteceu com a proposta de Mauricio Macri na Argentina. Sem maioria no Parlamento, Macri decidiu não aproveitar a onda de uma eleição histórica para seu país, que acabou com 13 anos de kirchnerismo, para avançar com as alterações na Previdência. Em dezembro de 2017, o Congresso argentino deu sinal verde a um projeto de modificação parcial do sistema previdenciário que não mexeu em questões fundamentais, entre elas a idade de aposentadoria para homens e mulheres, que continua sendo de 65 e 60 anos, respectivamente. Deu no que deu. O presidente Bolsonaro não quer incorrer no mesmo erro.
O ambiente político parece jogar a favor. Existe um sentimento no Congresso que, após as primeiras derrapadas do governo, aos poucos o presidente e sua equipe política começam a entender como funciona o jogo político em Brasília. Como parte da tática para tentar aglutinar forças junto aos partidos, o presidente escalou, em um primeiro momento, o ministro Paulo Guedes, da Economia, e o secretário especial para Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Os dois têm mantido conversas com líderes partidários para tirar dúvidas e, também, receber pleitos tanto de deputados e senadores. Na quarta-feira 13, Guedes participou de um almoço na residência oficial da presidência da Câmara, em Brasília, promovido pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia. “A reforma é o primeiro passo para a modernização do país”, afirmou o ministro aos presentes. Durante o encontro, o ministro ouviu queixas da falta de empenho de governadores em favor da aprovação da matéria. Ao que ele prometeu intensificar as articulações para vencer as resistências. Ao fim foi elogiado por Maia. “O ministro Paulo Guedes está indo muito bem, na Economia e na articulação política. Surpreendentemente bem na articulação política”
Numa outra ponta, a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), também tem mantido uma linha de frente de diálogo com deputados, anotando queixas e reivindicações dos parlamentares. Nos últimos dias, exerceu a função de ministra-chefe informal da Casa Civil. Enquanto o titular da pasta, o ministro Onyx Lorenzoni (DEM), estava na Antártica, em missão especial visando obter informações sobre o Programa Antártico Brasileiro, Joice despachava na sala do ministro, no Palácio do Planalto. “A gente está bem confiante de que o governo vai conseguir articular e convencer parlamentares e sociedade da importância da construção de uma nova previdência para o Brasil”, afirmou o líder do governo na Câmara, o deputado federal Major Vitor Hugo (PSL-GO).
Bateu na trave
Apenas doses de otimismo nunca foram suficientes – desde os tempos de FHC. É preciso bem mais do que isso. A proposta de reforma da Previdência do governo Fernando Henrique tinha tudo para ser aprovada, mas aportou no Congresso em 1995 e de lá saiu em 1998 desfigurada já na ‘porta de entrada’ da Câmara, como é conhecida a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Resultado: FHC não conseguiu aprovar o texto que acalentava. Não estabeleceu nem mesmo a idade mínima para a aposentadoria do INSS. Quando a emenda constitucional foi à votação no plenário da Câmara, na noite de 6 de maio de 1998, FHC precisava de 308 votos. Bateu na trave: conseguiu 307. Uma das abstenções foi de um deputado governista. Antonio Kandir (PSDB-SP), ex-ministro do Planejamento, pretendia votar a favor da reforma, e seu “sim” era o que restava para o governo alcançar os 308 votos. Mas ele acionou o botão errado na hora de votar. E a reforma de FHC terminou manca. Já Lula apresentou a sua reforma previdenciária em 2003. Vários petistas contrários ao projeto foram expulsos do PT. Mesmo assim, as pressões das corporações evitaram que o projeto fosse adiante da maneira como ambicionava a equipe econômica e, mais uma vez, o texto final deixou a desejar. Michel Temer tinha apoio, ambiente favorável, até vir o golpe fatal dos áudios de Joesley Batista. O resto é história. Jair Bolsonaro, agora, pode marcar época. Nunca desde a redemocratização do País o debate sobre a Previdência esteve tão maduro. Jamais um governo teve tantas possibilidades de aprovar o projeto. Que venha, pois, a urgente reforma.