“Provarei que a razão está ao meu lado” Michel Temer
Por: Carlos José Marques, Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco
Fotos: Caio Guateli
“Presidente, estamos gravando, ok?”. Em reação à primeira pergunta formulada pela reportagem de ISTOÉ na manhã de quinta-feira 1, no gabinete presidencial, o presidente da República, Michel Temer, respirou fundo, fitou os quatro gravadores ligados ao seu lado e sapecou: “Mas gravando às vistas, né? Não como o outro lá”. E riu. A brincadeira do peemedebista guarda relação, obviamente, com a gravação clandestina realizada pelo empresário Joesley Batista, da J&F, responsável por mergulhar o governo na mais aguda crise desde a posse. Escaldado, o presidente mandou instalar em seu gabinete aparelhos capazes de identificar grampos indesejados. “Se tivéssemos esse detector aqui hoje, teríamos que desligá-lo porque ele começa a apitar”. Na entrevista à ISTOÉ, Temer fez outras revelações. O presidente admitiu que poderá trocar o comando da Polícia Federal, mas garantiu que a Lava Jato não sofrerá interferências. Disse ter o direito de supor estar sendo vítima de um complô para derrubá-lo, mas afirmou ter o apoio do Congresso Nacional. Reconheceu que falhou ao receber pessoas fora da agenda, mas que não se arrepende de nada do que fez no exercício da Presidência. Sobre aquele que representa hoje a maior ameaça a ele, o ex-assessor Rocha Loures, flagrado com uma mala de R$ 500 mil, Temer demonstrou uma inquietante tranquilidade. “Duvido que o Rocha Loures vá me denunciar”.
Por que o senhor quer ficar no cargo de presidente da República?
Em primeiro lugar, para defender-me no aspecto moral. Tenho extraordinário orgulho de exercer o cargo de presidente da República. Mas não é só por exercê-lo. É por exercê-lo transformando o Brasil. Em um ano, conseguimos fazer aquilo que vários governos anteriores não conseguiram. Quem tem interesse eleitoral não praticaria essas medidas. Por outro ângulo, eu tenho necessidade de revelar a minha moral hígida e intacta porque, convenhamos, esse noticiário todo preocupa as pessoas, amigos meus, gente que me conhece, família, não é? “Puxa, será que o Temer fez isso?”. Coloca em dúvida. Não quero que fique em dúvida. Por isso, o aspecto moral é que me mantém, é um dos meus principais suportes para me manter aqui. Por isso não renuncio. Vou aguardar com muita tranquilidade a decisão do processo eleitoral.
O que se comenta é que a Procuradoria-Geral da República deve denunciar o senhor…
Veja que coisa grave o que você está dizendo. O inquérito não tem absolutamente nada ainda. Não tem perícia, não tem interrogatório e você já sabe que ele vai denunciar.
Se a Procuradoria da República oferecer a denúncia, a Câmara precisa aprová-la por dois terços dos votos. Caso isso aconteça, o senhor ficaria até 180 dias afastado da Presidência.
É mais uma frente, mas vamos esperar que ela chegue, né? Não posso fazer nenhum comentário agora.
Se o senhor perder o apoio do PSDB e da base, mesmo assim, pretende ficar no cargo?
Vou esperar perder o apoio primeiro, né, para depois examinar. Não estou perdendo o apoio. O que eu vejo é muito achismo. E achismo no sentido de que o governo paralisou, o País não vai para frente. Meu Deus do céu, na semana seguinte, a Reforma Trabalhista foi lida, com todos aqueles acidentes, no Senado Federal. Foi discutida. Está tendo sequência. Na semana passada, houve um fato inusitado legislativamente. Foram aprovadas sete medidas provisórias. É interessante, o Brasil ganhou até mais “agilidade.
Mas o PSDB, um aliado de peso, e alguns partidos do centrão, ameaçam, sim, sair. Isso não pode afetar a governabilidade?
O Congresso continua a legislar. Então vamos ver lá para frente. Por que é que eu vou dizer “ah, tenho que sair porque o Congresso está legislando demais, porque estou tomando muitas medidas administrativas”? Não tenho que me preocupar com o que vai acontecer no futuro. O futuro vai dizer.
Em que a situação da ex-presidente Dilma Rousseff, às vésperas do impeachment, difere da sua?
No impeachment da ex-presidente havia milhões de pessoas nas ruas. Esse é um ponto importante, não é? Segundo ponto: não havia mais apoio do Congresso Nacional. No meu caso, não. O Congresso está comigo. A oposição que se faz não é quanto ao conteúdo das reformas, mas uma oposição política. A situação é completamente diferente.
O senhor acha que há um complô de forças para tentar tirá-lo da Presidência?
Olha, fica difícil dizer, mas não fica difícil supor. É interessante como há uma conjunção de urdidura. Houve um esquema preparado para chegar a isso e de que maneira? Do tipo: traga alguém graúdo para poder valer a delação. Então o sujeito sai de gravadorzinho na mão procurando quem é que ele vai gravar e depois há todo um processo. Você veja: há um inquérito, que não se quer inquirir, em que se quer fazer a denúncia independentemente do inquérito, com prazos muito exíguos, como 24 horas para apresentar os quesitos para a perícia, isso num sábado à partir das 20h para vigorar até o domingo, às 20h, fora do expediente forense. Então eu olho isso e tenho o direito de supor que seja uma tentativa de derrubar governo.
O senhor acha que o procurador geral, Rodrigo Janot, está sendo arbitrário no seu caso?
Olha, eu prefiro não comentar. E acho que isso já dá uma boa resposta, não é verdade?
Se o senhor pudesse ficar cara a cara com o empresário Joesley Batista hoje, o que o senhor diria para ele?
Eu prefiro não mencionar na entrevista (risos).
O novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que consultaria o senhor sobre uma eventual substituição do diretor geral da Polícia Federal, Leandro Daiello. Qual será sua orientação?
Primeiro, vou verificar qual é a perspectiva que ele, Torquato, tem em relação aos vários órgãos que existem lá no Ministério, incluindo a Polícia Federal. Quando ele me trouxer os argumentos eu vou examiná-los, mas a decisão é dele, avalizada por mim, sem dúvida nenhuma.
Mas existe a necessidade de mudar o diretor da PF?
Pode ser que o novo ministro levante os dados todos que ele julgue convenientes e venha conversar comigo sobre isso. Fui secretário da Segurança Pública em São Paulo, duas vezes, e eu tinha que ter pessoas da minha confiança em certos cargos, então eu mudava delegado-geral, mudava o comando da Polícia Militar quando necessário. A mudança do diretor da PF vai depender do novo ministro.
Uma mudança agora não poderia ser mal interpretada?
Só seria mal interpretada se você dissesse assim: só existe uma pessoa na Polícia Federal capaz de comandá-la. Mas isso desmerece a instituição e tenho certeza que o próprio diretor não pensa dessa maneira.
O senhor teme uma delação do seu ex-assessor Rodrigo Loures?
Não creio. Acho que ele é uma pessoa decente. Eu duvido que ele faça uma delação. E duvido que ele vá me denunciar. Primeiro, porque não seria verdade. Segundo, conhecendo-o, acho difícil que ele faça isso. Agora, nunca posso prever o que pode acontecer se eventualmente ele tiver um problema maior, e se as pessoas disserem para ele, como chegaram para o outro menino, o grampeador (Joesley): “Olha, você terá vantagens tais e tais se você disser isso e aquilo”. Aí não posso garantir.
Pelo que conhece dele, o senhor esperaria que ele andasse por aí com uma mala com R$ 500 mil em dinheiro vivo de um empresário?
Confesso que não. É até surpreendente. Não sei a que atribuir isso, se atribuo à ingenuidade suprema, porque o sujeito pegou uma mala numa pizzaria.
O senhor se sentiu traído?
Não me senti traído porque não tenho nada a ver com isso.
Tem ligação com o seu partido?
Não creio.
Então seria uma atitude isolada?
Isolada.
Como explicar os R$ 500 mil por 20 anos ao seu ex-assessor?
A conversa que ele (Joesley) teve (com Loures) não sei dizer qual era. Queriam seduzi-lo para fazer o seguinte: como não saiu o negócio do Cade, tempos depois, ele foi lá entregar um dinheiro, acho que uma antecipação ao Rodrigo. Para quê? Para flagrar, filmar. Mas é porque a coisa do Cade não estava saindo. Como realmente não saiu. Você propor um inquérito contra um presidente da República, ancorado numa gravação que, desde o primeiro momento, foi impugnada pelas nossas perícias mostrando a imprestabilidade dessa prova, isso não pode servir de fundamento desse inquérito.
Por quê?
Não foi um inquérito contra um cidadão comum. Foi contra uma instituição, que é a Presidência da República. Aliás, tão logo foi proposto o inquérito, o Brasil teve um prejuízo de R$ 219 bilhões. Note o prejuízo que ele (Joesley) causou e que terá de ressarcir um dia.
Estar incluído no mesmo inquérito que o senhor é bom para o Loures. Mas não fica ruim para o senhor?
Não fica porque eu vou provar, como tenho provado seguidamente, que não tem absolutamente nada de participação minha nesses episódios.
O empresário Joesley Batista relatou ao senhor uma série de crimes. Por que, como autoridade máxima do Brasil, o sr. não tomou uma atitude?
Não achei que seria uma gravidade tão imensa. Já ouvi tanta coisa na vida. Várias pessoas vêm me falar coisas. E meu estilo não é agressivo. “Olha, você está preso”. Isso eu não faço.
Se depois de tudo o que aconteceu, uma pessoa disser uma coisa tão chocante quanto a que falou o Joesley, o senhor pretende mudar de atitude?
Eu vou examinar. Se eu conhecer a personalidade do indivíduo que está me falando as coisas, tomarei providências de acordo com o conhecimento que eu tenho da sua personalidade. Farei dessa maneira.
A delação do empresário Joesley foi divulgada no momento mais apropriado ao delator. Quando ele já tinha deixado o Brasil com a família, o que tem levantado várias teorias da conspiração. O senhor acha que todo esse roteiro já estava escrito ou foi uma boa coincidência à família Batista?
Acho que estava escrito porque até no plano econômico ele soube utilizar esse fato. Mencionamos aquela hipótese de US$ 1 bilhão, mais a venda das ações de sua empresa. Você percebe que era uma coisa que estava bem articulada. Não foi algo espontâneo, de um momento para o outro. Foi uma coisa pensada e levada adiante em razão do pensamento que antes se delineou por causa disso.
O senhor voltará a receber o ex-deputado Eduardo Cunha quando ele sair da cadeia?
Não sei, mas acho que não teria dificuldade se for procurado. Eu converso com tanta gente. Mas aí vão dizer que o presidente não pode conversar com certas pessoas. Isso não existe. Eu fui vítima do meu jeito de ser no tocante a receber as pessoas. Hoje eu começo a achar que, por exemplo, foi uma falha ter recebido o procurador-geral duas ou três vezes no Jaburu sem agenda. Como ter recebido inúmeros jornalistas e empresários fora da agenda. Foi uma falta de liturgia que, até digo, é inadmissível no cargo.
Com a saída de Osmar Serraglio do Ministério da Justiça, o Rodrigo Rocha Loures perdeu o foro privilegiado. O senhor pretende garantir o foro a ele?
Não pretendo. Isso não é verdade. Aliás, processualmente, ele está vinculado a mim e não perde o foro por causa disso.
A nomeação de Torquato Jardim para o ministério da Justiça pode afetar a Lava Jato?
A Lava Jato vai continuar. O que não podemos é achar que o Executivo ou o Legislativo vão interferir toda hora no Judiciário. Cada um tem suas funções distintas. Deixem os poderes trabalhar.
Mas o Torquato Jardim foi crítico da Lava Jato em vários aspectos. O senhor também tece críticas à investigação?
Eu respeito a opinião do Torquato, porque ele dá como jurista e advogado. Sei que ele é capaz das melhores formulações jurídicas. Agora, eu não entro no mérito da Lava Jato porque eu estarei interferindo, como chefe do Executivo, na atividade dos poderes. Interferência indevida e até proibida pela Constituição.
Recentemente, ministros da Justiça assumiram a função de defensores de presidentes da República. Foi assim com o ex-ministro Thomaz Bastos e Lula, com José Eduardo Cardozo e Dilma. O mesmo vai acontecer com o ministro Torquato?
Nem os anteriores que você mencionou, nem o Torquato Jardim defendem o presidente da República. Eles defendem o governo. O dever deles é esse. Aliás, não é só do ministro da Justiça. Todo e qualquer ministro deve defender o seu governo.
Qual é o ponto-chave da sua defesa na Justiça?
Revelar o banditismo que levou a essa necessidade de defesa e que causou prejuízos ao País.
No seu pronunciamento, o senhor falou em crise de “institucionalidade”. Poderia explicar?
Vou dar um exemplo mal compreendido pela imprensa. O que é abusar da autoridade? Não é abusar do presidente da República. É ultrapassar os limites da lei. A autoridade no estado democrático é da lei, não é das figuras físicas.
Como o senhor encarou o fato de o presidente da OAB pedir o seu impeachment?
Lamentei por uma razão singela. Eu sempre fui representante da OAB em vários pleitos. O artigo 133 da Constituição diz que “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Quem introduziu isso na Constituição fui eu. Eu lamentei pelo presidente da OAB, que recebeu críticas dos próprios colegas. Alguns disseram que ele deveria primeiro aguardar o periciamento da fita para ter dados mais concretos para propor o impedimento. Cada um tem o seu estilo, às vezes louvável, às vezes condenável.
O senhor se arrepende de algo desde que assumiu a Presidência?
Não me arrependo de nada do que fiz. Sempre pautei minha vida com critérios muito rígidos de comportamento administrativo e institucional. Não sem razão fui três vezes presidente da Câmara dos Deputados. O que me desagrada é o aspecto moral, porque eu levei a vida com muita moderação. E agora vejo que se tenta jogar meu nome na lama. Eu fico realmente preocupado. Mas tenho certeza e provarei que a razão está ao meu lado.
A que o senhor atribui a reação dos empresários de manterem investimentos, apesar da crise?
Ao governo que nós demos início há um ano. Já trouxemos grandes vantagens para o País. A primeira consequência foi estabelecer um teto para os gastos públicos. A segunda, foram as reformas que já foram feitas, como a do ensino médio. A própria redução da inflação. Nós pegamos mais de 10% e hoje está praticamente em 4%, abaixo da meta que queríamos atingir no final do ano.
O senhor diria que os empresários estão confiantes?
O empresariado está confiante em um novo País, pautado pela credibilidade e pela confiança. Todos os aeroportos que nós colocamos para licitação foram negociados com ágio extraordinário. Tenho recebido inúmeras delegações de empresários que só fazem me dizer que vão reinvestir mais dinheiro no nosso País.
O governo acaba de anunciar um PIB positivo. O senhor acha que uma convulsão política pode atrapalhar a recuperação econômica?
Essa redução sensível dos juros e também o crescimento do PIB de 1% nós esperávamos na verdade para o fim do ano, praticamente para o último trimestre. Assim como as aberturas de vagas de trabalho, que também eram esperadas para o último trimestre do ano, mas estão se dando muito antes. O que significa mais uma vez a credibilidade que o País readquiriu. Essa chamada crise política foi uma crise que não paralisou o País. Ao contrário. Ela até motivou o Congresso, onde eu tenho um apoio extraordinário, a votar matérias. Aconteceram coisas inusitadas.
Quais coisas?
Primeiro, a reforma trabalhista, a modernização trabalhista continuou a ser discutida e lida para ser votada no Senado, já foi votada na Câmara dos Deputados. A Câmara, por sua vez, na semana passada, votou 7 MPs, um caso ímpar, especialmente numa semana logo após a suposta crise derivada do ato do empresário grampeador.
O senhor acredita na aprovação da reforma da Previdência no segundo semestre?
No instante que nós aprovarmos, como vamos aprovar, a reforma trabalhista, logo depois aprovaremos a reforma previdenciária. Depois disso, a nossa intenção é fazer uma simplificação tributária no País. Não falo exatamente numa reforma tributária, mas uma simplificação do sistema tributário. Essa simplificação vai ajudar os estados e os municípios brasileiros.