Quando o assunto é conhecimento no mundo do vinho, não há dúvidas que a Sommelière Claudia Oliveira desponta como uma das mulheres mais brilhantes da área no Brasil. Fundadora e idealizadora da Associação Brasileira de Sommeliers do DF, onde atua como vice-presidente, Cláudia também é a primeira e única mulher de Brasília (e do Centro-Oeste) com o título de Diploma WSET, último nível da certificação da mais conceituada escola de vinhos do mundo, com sede em Londres, representada no Brasil pela Enocultura. Além disso, a Sommelière é especialista em vinhos de Portugal, vinhos da França, Enografia Italiana, Juíza Internacional para Qualificação de vinhos, Vinhos Brasileiros e Master of Port.
Com esses, e vários outros títulos na área de vinhos (destilados e chás também) acumulados ao longo de mais de 20 anos de estudos, Claudia ainda conta na bagagem com a experiência de ter visitado mais de cem vinícolas e os principais produtores de vinho do mundo. Formada em Direito e Administração de Empresas ela é MBA em Marketing -FGV e atua como advogada e consultora de empresas há 20 anos.
Quando questionada sobre a atuação das mulheres no mundo do vinho, ela responde de pronto que o mercado de trabalho ainda não é tão convidativo por suspeitar existir um certo preconceito social em relação às mulheres e o consumo de bebidas alcoólicas. “Para mim, isso reflete, na verdade, um desconhecimento do trabalho dos Sommeliers e desse universo tão rico de cultura que envolve o vinho. Nesse aspecto, nós mulheres que atuamos na área temos o papel de esclarecer os empresários do setor sobre as vantagens de terem Sommelières e especialistas em vinhos em suas equipes”, conclui.
Abaixo, confira a entrevista na íntegra com essa brilhante profissional que muito bem representa as mulheres no mundo do vinho.
Blog Vinho Tinto – Você conquistou recentemente o título de DipWSet, que é o último nível da certificação as mais conceituada escola de vinhos do mundo, com sede em Londres. Como é ser a primeira mulher no DF (e uma das poucas do Brasil) a possuir esse título?
Claudia Oliveira – Fazer o Diploma era um sonho antigo. Esta certificação é bastante conceituada internacionalmente e possibilita aos estudantes um excelente conhecimento do mundo vinho e de seu mercado. Quando comecei, não pensei nisso de ser a primeira, apenas segui no caminho estudar e me dedicar a esse projeto. Ser a única mulher no DF com o título significa uma responsabilidade, porque trás a obrigação de incentivar e ajudar outras mulheres a também conquistarem seus objetivos, seja fazendo o Diploma ou outras certificações. Também me dá o incentivo para continuar nesta jornada de ensinar sobre vinhos.
Blog Vinho Tinto – Foram quase três anos de muita dedicação e estudos para conseguir o Diploma. Quais foram os principais desafios nessa jornada? Houve vontade de desistir? O que a fez mudar de ideia?
Claudia Oliveira – Em primeiro lugar, gostaria de explicar um pouquinho como funciona o curso, pois muita gente me pergunta sobre isso. O Diploma é composto por seis módulos, cada módulo tem aulas e degustações, além de provas. Estas têm data fixa ao longo do ano e são feitas com os mesmos vinhos em todos os lugares do mundo onde há escolas representantes (no Brasil é a Enocultura), são corrigidas em Londres, portanto feitas em inglês, envolvem questões dissertativas sobre temas diversos e também a análise de vinhos às cegas. Os professores que tive foram brasileiros (também DipWset) e estrangeiros. Todo o material é em inglês.
Nesses anos que dediquei ao curso, creio que os principais desafios foram encontrar o tempo necessário para estudar todo o material, é muita coisa para ler e aprender; o tempo para fazer as provas, que é muito curto e devemos nos expressar em idioma estrangeiro com profundidade sobre os temas solicitados; e, principalmente, treinar para as degustações.
Este último desafio talvez tenha sido o mais difícil de superar, pois requer que provemos muitos vinhos, de todos os níveis de qualidade e preço, das principais regiões e sub-regiões dos países produtores mais importantes. Dessa maneira, é necessário um investimento financeiro, com a dificuldade adicional de que alguns vinhos nem mesmo estão disponíveis para aquisição no mercado brasileiro.
Nunca me passou pela cabeça desistir, nem com as dificuldades adicionais que a pandemia proporcionou.
Blog Vinho Tinto – Você é uma das idealizadoras e fundadoras da ABS-DF e hoje atua nessa instituição como vice-presidente e professora. Qual o papel dessa organização na formação dos profissionais do vinho no Brasil? Qual seu maior objetivo ao participar da fundação de uma entidade como essa?
Claudia Oliveira – A Associação Brasileira de Sommeliers foi fundada há quase 40 anos, tem sessões regionais em alguns estados. A ABS-Brasil e suas regionais são instituições de ensino sem fins lucrativos, com o objetivo social de formar profissionais, Sommeliers, e também ensinar sobre bebidas, alcoólicas e não alcoólicas, para o público em geral. Ter uma ABS no Distrito Federal é de suma importância para que possamos ter melhores profissionais atuando no ramo da hospitalidade e também no comércio de bebidas. Além disso, é necessário para formar consumidores conscientes sobre a qualidade dos serviços e das bebidas.
O objetivo em participar da ABS-DF é de poder dividir conhecimento, ensinar o que sei e aprender com os alunos e colegas professores.
Blog Vinho Tinto – Estamos no mês das mulheres e não há como deixar de te homenagear por representá-las nesse universo ainda masculino. Em sua opinião, o que falta para o mercado de sommeliers tornar-se mais convidativo às mulheres de forma geral?
Claudia Oliveira – Sem dúvida, este ainda é um meio masculino, mas as coisas estão mudando rapidamente. Lembro que quando comecei a dar aulas, há mais de 10 anos, as turmas tinham maioria absoluta de homens. Hoje é diferente, metade das participantes dos cursos são mulheres, e nos eventos de degustação são a maioria. Isso mostra que as mulheres estão mais interessadas em apreender sobre vinhos e mais curiosas para experimentarem novos estilos de bebidas.
Creio que esta profissão é convidativa para as mulheres, envolve temas de gastronomia, muita sensibilidade para fazer as análises técnicas das bebidas e habilidade para lidar com os consumidores. No entanto, o mercado de trabalho ainda não é tão convidativo, e suspeito que seja porque existe um certo preconceito social em relação às mulheres e o consumo de bebidas alcoólicas. Isso reflete, na verdade, um desconhecimento do trabalho dos Sommeliers e desse universo tão rico de cultura que envolve o vinho, por exemplo. Nesse aspecto, nós mulheres que atuamos na área temos o papel de esclarecer os empresários do setor sobre as vantagens de terem Sommelières e especialistas em vinhos em suas equipes.
Blog Vinho Tinto – Acredita que sommeliers mulheres que atuam no serviço de vinho ainda são vítimas de assédio? Como isso pode mudar?
Cláudia Oliveira – Sim, as mulheres ainda são vítimas de assédio em todas as profissões, incluindo a de Sommelier. Essa é uma questão que somente vamos superar com educação e esclarecimento de toda a sociedade brasileira para o problema do assédio. O meu conselho para alunas e colegas é sempre o mesmo, se sofre assédio, denuncie.
Blog Vinho Tinto – Homens e mulheres costumam ter gostos diferentes na degustação de vinhos?
Claudia Oliveira – Sim, em geral, os gostos são um pouco diferentes. Há uma tendência de os homens gostarem mais de vinhos tintos encorpados e de mulheres preferirem vinhos tintos menos encorpados e brancos. Eu não estou certa do porquê isso acontece, se é uma questão cultural ou se passa pela biologia de como os sabores são percebidos na boca e no cérebro, há inclusive estudos interessantíssimos sobre isso.
Tenho notado, no entanto, uma mudança muito rápida em relação aos gostos. Quanto mais conhecimento as pessoas têm em relação aos vinhos, maiores as possibilidades de provar estilos diferentes, aí a diferença de gosto entre mulheres e homens desaparece.
Blog Vinho Tinto – O que você pensa sobre frases como essas: “este é um vinho de homem!” e “rosé é vinho de mulher”?
Claudia Oliveira – Frases totalmente superadas! (risos) Hoje em dia cada um bebe o que melhor lhe agradar. Já escutei muito frases do tipo e, mais de 20 anos atrás quando comecei a fazer cursos de vinho, realmente havia vinhos que os homens se recusavam a beber em público, como os rosés. Tudo isso está no passado, como disse anteriormente, as mudanças são rápidas e o mercado consumidor de vinhos está bastante diferente.
Blog Vinho Tinto – O que define um bom vinho para você?
Claudia Oliveira – Um bom vinho deve emocionar. Se me emocionou, eu considero bom. (risos)
Vejo que as pessoas se equivocam muitas vezes ao confundir preço e qualidade nos vinhos. Nem sempre o vinho mais caro é bom, o vinho barato também pode ser bom. Ao provar o vinho, há uma parte da análise que é técnica, a parte da descrição das características organolépticas dos vinhos, da identificação dos defeitos e qualidades. No entanto, há também a parte subjetiva, que envolve a companhia, o lugar, as memórias, os gostos, a harmonização, etc. Tudo isso influencia na percepção individual sobre a qualidade do vinho.
De modo geral, falando tecnicamente, um bom vinho deve ser livre de defeitos enológicos e defeitos advindos de má conservação em garrafa, deve mostrar a tipicidade das castas e do terroir da região onde foi produzido.
Sobre gosto pessoal, para mim um bom vinho tem que ter acidez alta.
Blog Vinho Tinto – Você já viajou por mais de 40 países, fez intercâmbio na Inglaterra e na França, visitou mais de uma centena de vinícolas nos principais países produtores. Com toda sua experiência, como você percebe a qualidade do vinho produzido no Brasil atualmente.
Claudia Oliveira – Sou uma entusiasta do vinho nacional. Creio que devemos ter orgulho do vinho que o país produz. O Brasil produz vinhos com cada vez mais qualidade. Nossa história na produção de vinhos é muito curta se comparada a outros países que têm milhares de anos de experiência, mas hoje a tecnologia e a difusão do conhecimento de enologia contribuem para que mesmo países com pouco tradição possam produzir excelentes vinhos.
Cláudia Oliveira já visitou mais de cem vinícolas em todo o mundo, inclusive a dos principais produtores
Um aspecto que me anima sobremaneira é ver o surgimento de novas regiões produtoras no Brasil, isso abre espaço para uma variedade ainda maior de experimentação e de produção de estilos e castas diversos.
Houve uma revolução recente no nosso país com a adoção da técnica da dupla poda e colheita de inverno, porque agora é possível produzir vinhos em uma extensão territorial imensa, que antes não era adequada à produção de uvas de qualidade. Tenho visitado vinícolas em Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Distrito Federal, porque estou escrevendo um Guia dos Vinhos de Inverno juntamente com duas amigas Sommelières, e o que vejo é o nascimento de um novo momento para o vinho brasileiro.
Blog Vinho Tinto – Depois do diploma, o próximo passo é estudar para se tornar uma Master of Wine. No Brasil temos apenas um atualmente. Está nos seus planos tornar-se a primeira mulher Master of Wine do Brasil?
Claudia Oliveira – O Master of Wine certamente é o último estágio da formação possível, mas seria um desafio imenso, um Everest a ser conquistado. Sei de pouquíssimos brasileiros que estão se dedicando aos estudos para o MW, dentre eles há duas ou três mulheres, e vejo que a tarefa é muito árdua. Espero que as mulheres que já estão nessa caminhada logo consigam conclui-la. Quanto a mim, creio que temos sempre que continuar estudando, porque o mundo do vinho é dinâmico e requer atualização constante, quem sabe esse seja um caminho…
Blog Vinho Tinto – Qual seu sonho como profissional do mundo dos vinhos?
Claudia Oliveira – O sonho é ser uma profissioal que consiga auxiliar no crescimento da indústria do vinho no Brasil. O país tem um imenso potencial, o surgimento de novas regiões produtoras e o aumento no consumo da bebida tem demonstrado isso.
Blog Vinho Tinto – Para finalizar, gostaria que você destacasse mulheres que você admira no mundo do vinho – tanto no cenário internacional como no nacional. O que fazem essas mulheres merecerem a sua consideração?
Claudia Oliveira -Olha, eu não vou citar nomes, acho até uma injustiça. Ao longo dos anos conheci pessoalmente muitas mulheres que trabalham com vinho, no Brasil e no Exterior, e todas elas me encantaram em algum aspecto, e muitas me motivaram a querer aprender mais, a fazer mais. Algumas das pessoas mais interessantes que conheci são desconhecidas do grande público. Todas merecem o meu destaque e a minha admiração, pois como já falamos anteriormente, o mundo do vinho e da sommelierie ainda é dominado pelos homens. O simples fato de elas estarem acordando todos os dias e colocando os seus esforços para produzir ou vender um vinho já é motivo para consideração. Como dissemos aqui, ainda somos pioneiras, elas, você, eu, ainda estamos abrindo caminho para as mulheres.
Mas se você tivesse me perguntado qual mulher no mundo do vinho eu gostaria de conhecer, aí citaria um nome, é a Jancis Robinson, porque todo o seu trabalho e, especialmente, os seus livros foram muito importantes para o ensino do vinho no mundo.