Mesmo ainda não oficializada, a candidatura do ex-ministro do STF a presidente sacode as eleições: ele é visto como o candidato que moralizará o País
Rudolfo Lago e Tábata Viapiana – ISTOÉ
Em dezembro do ano passado, uma delegação de nove deputados do PSB foi conversar com o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa, em seu escritório de advocacia no bairro do Jardim Paulista, em São Paulo. O articulador da reunião, o líder do PSB na Câmara, Júlio Delgado (MG), pediu a todos que chegassem uma hora antes e que se reunissem primeiro numa padaria próxima do escritório. “Olhem só, ele não é fácil”, advertiu Delgado. “É muito formal, fechado. Exige ser tratado como ministro. Vamos, então, com cuidado”. Para surpresa de todos, Barbosa recebeu-os com sorrisos. O deputado César Messias (AL) não se conteve: “Ministro, o Júlio Delgado fez todo mundo chegar uma hora antes, cheio de recomendações sobre como tratar o senhor”. Barbosa sorriu: “É porque ele é mineiro e desconfiado, como eu”. Risos gerais. O ex-ministro acabava de ser mordido pela mosca azul da política.
Ele é socialista por convicção, mas é liberal na economia. Defende as privatizações
Apoio às reformas
A entrada de Barbosa embaralha o jogo porque, como mostra a pesquisa, ele tira votos tanto da chamada direita como da esquerda, além de interferir mais diretamente nas candidaturas do centro. Joaquim não é dado a conceder entrevistas, mas desde que deixou o STF, aposentando-se precocemente por causa de fortes dores na coluna em 2014, tem usado muito as redes sociais para se expressar. E, por esses meios, apresenta uma plataforma de idéias que mescla posições mais de esquerda nos costumes com outras mais liberais na economia. Ele defende, por exemplo, a privatização de estatais desde que não se mexa nas chamadas “joias da coroa” como a Petrobras. Defende reformas estruturais como a da Previdência, desde que também se vá em cima das empresas devedoras.
Mas o que explica o fato de um ex-ministro do STF, há quatro anos aposentado e afastado do noticiário, que nunca teve militância político-partidária, ter tal capacidade de embaralhar um jogo sucessório dos mais complexos já vividos pelos brasileiros? “Ele entra no perfil ideal do que quer o eleitor. Tem origem humilde, carrega a bandeira do combate à corrupção e não está envolvido em problemas éticos”, afirmou Murilo Hidalgo, diretor do Instituto Paraná Pesquisas. Na condução do processo do mensalão, ele ganhou notoriedade nacional ao enfrentar o poder político e econômico de maneira até então jamais vista no País: 25 políticos do PT, incluindo o ex-ministro José Dirceu, foram condenados por corrupção.
Nem tudo são flores. Na quinta-feira 19, Joaquim Barbosa pôde sentir o peso de problemas regionais que sua candidatura a presidente representa dentro do PSB. Ao participar da primeira reunião com a cúpula do partido, em Brasília, para analisar o lançamento de sua candidatura, ele percebeu que vai ter que vencer fortes opositores internos. Ladeado pelo presidente Carlos Siqueira e pelo secretário-geral Renato Casagrande, Joaquim ainda não falou como o candidato, mas foi o centro das atenções. O ex-ministro disse que ainda não se sentia candidato: “Ainda falta muita coisa”, disse Joaquim após a reunião.
Comissão eleitoral
Para vencer as resistências, Siqueira criou uma “comissão eleitoral”, formada pela executiva do partido e por seus quatro governadores. A reunião com Joaquim na quinta-feira já contou com a presença dos integrantes desse grupo. Quando desceu de seu carro, ele assustou-se. Havia um grupo de cerca de 20 militantes da Negritude Socialista Brasileira, movimento negro ligado ao PSB. Pretendiam fazer Barbosa entrar na sede do partido debaixo de uma chuva de pétalas de rosa. Ele evitou o grupo. Virou para o lado direito contornando-os. Com o movimento, despistou também um pelotão de jornalistas. “Que aparato foi esse?”, espantou-se, após subir os três lances de escada até a sede do PSB. “Foi o senhor que trouxe essa gente para cá, ministro”, respondeu o vice-presidente do PSB, Beto Albuquerque.
“Ainda falta muita coisa para ser candidato. Eu mesmo não me convenci” Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF
A manutenção das resistências ficaram explicitadas na reunião, quando governador Márcio França (SP), que é também o secretário nacional de Finanças do partido, deixou o encontro apenas 30 minutos depois dele começar. Fez elogios a Joaquim, mas foi taxativo: “A melhor opção para o País é Alckmin”. Ricardo Coutinho também saiu antes. “A pesquisa Datafolha foi realmente um fator muito importante, mas ainda não definitivo”, disse o governador da Paraíba, que deixou clara sua opção por fazer uma aliança com o PT. Ao final da reunião, ao falar pela primeira vez com os jornalistas, o próprio Barbosa disse saber que há questões regionais a serem contornadas. Mais do que isso. Ainda pesam questões pessoais. “Eu mesmo ainda não me convenci a ser candidato”, afirmou. Aparecer, no entanto, já de saída, como terceiro colocado, é algo que impacta o ministro. “Para quem não frequenta o ambiente político, não dá entrevistas e tem uma vida pacata, foi muito boa a pesquisa”, disse. “Nós já sabemos que ele tem potencial para ir ainda bem mais longe”, avalia Carlos Siqueira.
“Joaquim Barbosa possui qualidades no combate à corrupção e empatia com os mais pobres”, diz estudo da empresa Idéia Big Data
De menino pobre em Minas ao comando do STF
Um presidente negro
“Ele encarna a necessidade de renovação política, mas mantendo princípios e valores claros, trazidos da sua atuação no Supremo”, resume o deputado Júlio Delgado, um dos mais ardorosos defensores da sua candidatura. Em maio do ano passado, o ex-ministro fez uma provocação nas redes sociais: “Será que o País estaria preparado para ter um presidente negro?”. Ao ler a frase, Júlio Delgado pediu uma audiência com Barbosa. Foi ao seu encontro no seu escritório de advocacia em Brasília. Encontrou um Joaquim formal, grave e rigoroso. “Pois não? Em que lhe posso ser útil?”, perguntou Joaquim. “Vim aqui porque fui provocado pelo senhor. Acho que o Brasil está mais do que preparado para ter um presidente negro”.
A partir daí, as conversas evoluíram. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, comprou a idéia. Tem sido ele o responsável por tentar quebrar as resistências internas. “Aparentemente, Joaquim é o candidato que queremos. Mas ainda precisamos conhecê-lo melhor”, disse Siqueira a ISTOÉ, demonstrando os cuidados de cravar a candidatura antes de todo o périplo de conversas do ex-ministro com os líderes do partido. Inicialmente, Barbosa dizia que só entraria no PSB se o partido garantisse que ele seria candidato à Presidência. “Ministro, isso não tenho como garantir. A candidatura vai precisar passar por conversas internas. Nem o Eduardo Campos (ex-governador de Pernambuco morto em um desastre aéreo na campanha de 2014) conseguiu isso”.
“Ele terá que aprender a lidar com o meio político e minimizar sua personalidade autoritária”Murilo Hidalgo, presidente do Instituto Paraná Pesquisas
O namoro durou oito meses até que Barbosa, enfim, assinasse a filiação ao partido no dia 6 de abril. Mas o longo tempo de maturação das conversas no PSB demonstram que ainda há muito chão para pavimentar a estrada que vai levar Barbosa à Presidência. Para Murilo Hidalgo, ele “terá que aprender a lidar com o meio político e minimizar sua personalidade autoritária”. Pesa contra o ex-ministro, e isso também foi identificado no estudo da Big Data, justamente seu temperamento explosivo e falta de paciência. Durante o mensalão, Barbosa abusou de discussões e trocas de farpas com colegas de Corte, especialmente com os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Em 2009, ele chegou a dizer a Gilmar Mendes: “Vossa excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso”. Barbosa foi também condenado em segunda instância por ofender um jornalista, dizendo que ele deveria “chafurdar na lama”. Sua sorte é que condenação por crimes de opinião não entram na vedação prevista na Lei da Ficha Limpa e ele pode ser candidato. Contornando as cascas de banana pelo caminho, Joaquim já tem a receita para um bom plano de governo: respeitar a Justiça, a ética e a moralidade.
O Pensamento de Joaquim Barbosa
> PRISÃO NA SEGUNDA INSTÂNCIA
“Se tivermos que esperar os deslocamentos de recursos, o processo jamais chegará ao fim. Não conheço nenhum país que ofereça aos réus tantos meios de recursos como o nosso”
> FORO PRIVILEGIADO
“O foro privilegiado é a racionalização da impunidade”
> DOAÇÕES DE EMPRESAS NAS ELEIÇÕES
“Permitir doação de empresa para campanhas eleitorais em um país que tem o patrimonialismo no seu DNA, só podia dar nisso: colossal corrupção”
> REELEIÇÃO
“A reeleição é o fator multiplicador de práticas de corrupção no nosso país. Nenhuma democracia sobrevive sem alternância de poder”
> POSICIONAMENTO POLÍTICO
“Sou um social democrata clássico, ao estilo europeu. O capitalismo é isso aí, temos que encontrar meios de mitigar os seus efeitos deletérios e aproveitar o seu lado bom, como o do empreendedorismo”
> EDUCAÇÃO PÚBLICA
“Meu sonho: termos dirigentes que saibam o efeito profundo que a educação disseminada e de qualidade tem sobre o desenvolvimento de um país”
> PRIVATIZAÇÕES
“Deve-se retirar o Estado de atividades econômicas nas quais não deveria estar, reservando-a a serviços públicos”
> REFORMA DA PREVIDÊNCIA
“A Previdência Social consome em média 24% de todo o Orçamento Geral da União. Isso significa, no mínimo, que se esse enorme gasto não for revisto e razoavelmente regulamentado, a economia colapsa”
> REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
“Quem conhece as prisões brasileiras (e os estabelecimentos de “ressocialização” de menores) não apóia essa insensatez”
> UNIÃO HOMOAFETIVA
“O não reconhecimento da união homoafetiva simboliza a posição do Estado de que a afetividade dos homossexuais não tem valor e não merece respeito social. Aqui reside a violação do direito à dignidade da pessoa humana”