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OS EXÉRCITOS DO ÓDIO – Eleições 2018: quem são e como atuam os radicais de extrema esquerda e direita

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Quem são e como atuam os radicais de extrema esquerda e direita que incentivam guerrilhas digitais, acentuam a intolerância e tentam sufocar, por meio de linchamentos e agressões virtuais ou não, o contraditório

ISTOÉ

Ano decisivo para o País, 2018 emerge a partir de um ambiente polarizado, tóxico e extremamente radical. É como se o não menos intimidatório “nós contra eles”, criado e aprofundado pelo PT em meio à campanha eleitoral de 2014, tivesse ganhado musculatura e pernas próprias para se espraiar como rastilho de pólvora nas ruas e, sobretudo, nas redes sociais – só que, dessa vez, à esquerda e também à direita. Nos extremos das trincheiras, não se salva quase ninguém. A atmosfera polarizada reproduz rinhas, como de ferozes pitbulls, onde a cara de um é o focinho do outro. A virulência dos extremos contaminou as discussões que deveriam se pautar pela troca de ideias, pela aceitação do contraditório e pela construção de agendas comuns para o Brasil. Nada disso, no entanto, tem espaço nessa peleja no qual sagra-se vitorioso quem melhor domina a arte de calar o oponente. Em geral, o objetivo é o de sufocar qualquer tentativa de debate.

As táticas

A disseminação do ódio, evidentemente, não age como um vírus de gripe, alheio à ação humana. Independentemente do consentimento ou do estímulo de seus morubixabas, em especial Lula (PT) e Jair Bolsonaro, tratados não raro como mitos, ou mesmo como uma espécie de líderes sectários, sobre os quais – na ótica de seus seguidores – paira uma aura divina, existe um exército. Um exército de radicais com caras e rostos dotados de muita disposição e energia para linchar e moer por meio de uma máquina muito poderosa quem ousa pensar diferente. “Muito se fala dos autômatos que divulgam as notícias falsas e os boatos. Mas muitos esquecem que o autômato mais utilizável é o indivíduo humano, que se torna uma máquina a serviço da matança do espírito de quem não concorda com ele”, lamenta Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na UNICAMP. Durante um mês, ISTOÉ fez um mergulho no mundo desses haters – palavra de origem inglesa usada para designar “os que odeiam” e “promovem o ódio”. A principal conclusão foi de que as táticas da guerrilha dos exércitos de esquerda e direita são primas-irmãs, na forma e no conteúdo. Ou seja, cores de camisa, emblemas e matizes partidários à parte, todos se comportam de modo muito semelhante. Nas redes sociais, as hordas de radicais atuam organizadas como manada. Em geral, se lançam desbragadamente contra o indivíduo que se atreva a fazer uma crítica contra o político de seu coração ou ao partido no qual militam. Partem para desqualificá-lo de todas as formas, seja com críticas ferozes ao comentário, seja com reparos à aparência física da pessoa ou à sua inclinação ideológica. Ato contínuo, o comentário é replicado para o exército organizado que, imediatamente, passa a promover uma espécie de linchamento público do(a) autor(a) da opinião indesejada. É uma tentativa de destruição de reputação clássica. Com a ajuda de robôs, os ataques são intensificados e os posts distribuídos para um número maior de haters. Normalmente, as agressões duram em média uma semana. Nas ruas, os provocadores são infiltrados em manifestações, pacíficas ou não, que envolvam apoiadores do candidato ou da tese adversária. Fora do ambiente digital, ainda existe aqueles que, munidos de uma câmara de celular, fustigam ilustres personalidades políticas ou públicas a fim de provocar tumulto, gerar barulho nas redes e obter promoção pessoal – a partir de visualizações e compartilhamentos. Há ainda os que promovem arruaça, queimando pneus, interrompendo avenidas ou organizando quebra-quebras para atingir propósitos político-ideológicos duvidosos.

Pontas-de-lança das tropas

Tanto à esquerda como à direita, há os chamados pontas-de-lança das tropas. Aqueles que mobilizam, centralizam e de certa forma são determinantes para a organização dos ataques à base adversária. Normalmente, são os que reúnem o maior número de seguidores. É quem ecoa e lança luz sobre o surgimento de um comentário divergente ou crítico aos ideais do séquito. Grosso modo é como se, munido de um estrepitoso megafone, gritasse ao grupo: “Olha o absurdo que essa pessoa falou contra a gente. Vamos destruí-la”. No campo da extrema-direita, agem como regentes da militância os filhos de Jair Bolsonaro, Eduardo e Carlos Bolsonaro. Até entre os apoiadores de Jair Bolsonaro há quem condene o modo de atuar da turma. “Os filhos do deputado, donos de estilo colérico nas redes, ainda vão acabar com a candidatura de Bolsonaro”, admitiu à ISTOÉ um ilustre eleitor do próprio parlamentar, candidato declarado à Presidência este ano. Um dos braços-direitos da família Bolsonaro nas redes e também fora delas é o youtuber paulista Arthur Moledo, de 30 anos, que administra o popularíssimo canal na internet “Mamãe Falei”. Com uma câmera em punho, Moledo tem por hábito frequentar manifestações políticas. O objetivo, porém, passa longe de simplesmente produzir conteúdo informativo. A ideia é provocar e registrar em vídeo reações de constrangimento. Segundo ele próprio, o principal intuito é “ridicularizar quem pensa diferente”. Além da presença física em atos públicos, Moledo alimenta uma página no Facebook que possui mais de um milhão de seguidores. Grande parte dos comentários carrega teor discriminatório. Nos vídeos, ele se declara eleitor de Bolsonaro.

Um dos alvos recentes da ira do exército da extrema-direita foi o jornalista, editor e formador de opinião, Carlos Andreazza. Motivo: escreveu um post em que disse não compactuar com a confusão entre conservadorismo e “bolsonarismo”: “Não acredito – nunca acreditei – nos Bolsonaros, cuja inconsistência política só não é maior do que o oportunismo para capitalizar sentimentos contra o establishment. E desprezo o bolsonarismo, que considero uma das expressões da doença moral do brasileiro”, afirmou. Desde então, artigos e textos do jornalista são compartilhados com a intenção de serem desconstruídos nas redes sociais. Detalhe importantíssimo: nem de esquerda Andreazza é. Encarna o conservador clássico. Na Record, Andreazza é o editor de autores como Olavo de Carvalho, Bruno Garschagen e Rodrigo Constantino.

Do outro lado da trincheira, militantes de esquerda impõem comportamentos não menos agressivos quando se deparam com o contraditório. Um caso conhecido teve como pivô o blogueiro Rodrigo Grassi, conhecido como Rodrigo Pilha. Grassi é um típico radical de extrema-esquerda. Em 2014, ele interceptou o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa na saída de um bar em Brasília e o chamou de “autoritário” e “projeto de ditador”. Claro, com a câmera do celular em riste. Ao mesmo estilo do provocador Arthur Moledo, o blogueiro e ex-assessor da deputada Érika Kokay (PT-DF), Rodrigo Grassi se envolve em diversas confusões ao tentar constranger políticos e autoridades que emitem opiniões diferentes das difundidas por ele em seus canais. Em 2014, por exemplo, depois de abordar o senador e atual ministro Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) ele foi preso pela Polícia do Senado. No blog “Botando Pilha”, ele alegou ter feito “perguntas inconvenientes” ao político. Premeditado, o tom claramente sarcástico e mordaz teve como intuito gerar uma reação por parte do político. Os vídeos postados por Grassi geraram grande repercussão por seguirem a mesma lógica dos do youtuber de direita, Arthur Moledo: quanto mais intenso e violento o embate de ideias, maiores as chances de ganhar aderência nas redes e aumentar exponencialmente a audiência. “Até 31 de outubro vamos entrar em um dos piores momentos da história da internet brasileira, graças ao contexto eleitoral”, afirma Caio Tadeu Cimi, cientista político e diretor de metodologia da Numbr, empresa de inteligência de redes sociais. “Políticos passaram a olhar mais atentamente e desenvolver um arsenal de guerra a ser utilizado na internet”, acrescentou Caio. Atualmente no País, pessoas com concepções políticas mais radicais, atesta o especialista, tendem a engajar mais usuários do que cidadãos que se identificam com propostas de centro.

Um dos maestros da tropa digital da esquerda é o ator José de Abreu, não por acaso um dos propagadores das peripécias de Rodrigo Pilha. Ele não mede palavras no enfrentamento a quem discorda de seus ideais. Dileto amigo de José Dirceu, o ator se envolveu recentemente numa acalorada discussão dentro de um restaurante japonês em São Paulo, em que terminou por disparar cusparadas contra os interlocutores. Entre eles uma mulher. Quem trabalha afinado com José de Abreu é o técnico em informação conhecido como Stanley Burburinho. Os dois tocam de ouvido. Nas redes, se um levanta, outro corta. E vice-versa. A página do Facebook, bloqueada pelo menos seis vezes, leva uma foto de Che Guevara e possui mais de 69 mil seguidores. Se algum usuário tece algum comentário contrário à cartilha ideológica dos ex-presidentes Lula e Dilma, Stanley contra-ataca com virulência. Hoje, não em tom menos colérico, ele se dedica a detonar adversários do petismo, a criticar a condenação de Lula, a operação Lava Jato e a torpedear a gestão do prefeito de São Paulo, João Doria. “Antes havia hordas físicas que tomavam a praça para se manifestar. Agora, as hordas continuam na internet, de forma virtual. O que move esses transmissores de propaganda é o sentimento do ódio, a intolerância, o bairrismo e o provincianismo. É justamente na internet, um fenômeno global, em que os bairrismos aparecem mais exacerbados”, constata Roberto Romano.

Em 2017, a Universidade de Oxford publicou um estudo denominado “Troops, trolls and troublemakers: a global inventory of organized social media manipulation” –Tropas, troladores e encrenqueiros, um inventário global da manipulação nas redes sociais. O levantamento chegou à conclusão que a atuação dos exércitos virtuais se transformou num padrão de prática política – patrocinados ou ao menos impulsionados por governos, partidos e movimentos civis. O estudo cita a Rússia e o Equador como exemplos mais bem acabados da ação organizada dos troladores, mas o Brasil não sobrevive incólume à pesquisa. Na Argentina, recentemente, ocorreu um fenômeno parecido ao experimentado no Brasil durante a era lulista: foi despejado dinheiro público em blogs favoráveis a ex-presidente Cristina Kirchner de modo a utilizá-los como ferramenta aglutinadora da militância. Lá como aqui, o partido do governo foi precursor na criação de robôs destinados a derrubar páginas críticas à então presidente. A cereja do bolo, no entanto, foi a compra com dinheiro estatal de computadores para serem usados pelos militantes pagos. Há um parentesco óbvio entre o México e também o Brasil no que diz respeito à tentativa de desacreditar o que os radicais chamam de “velha mídia” ou “mídia tradicional”. No último ano, em solo mexicano, jornalistas viraram alvo e tiveram suas páginas inundadas por robôs liderados por tropas virtuais toda vez que publicavam reportagens críticas a determinado grupo político. Aqui, é comum vermos autores de matérias contrárias a interesses da extrema-esquerda e direita serem linchados de maneira inclemente nas redes, como se atravessassem um corredor polonês.

Convocações para o dia 24

Um dos pioneiros da guerrilha nas redes, mas com atuação marcante também fora do ambiente digital, foi Marcello Reis, empresário e líder do movimento Revoltados Online. Durante os protestos de 2013, Reis chegou a ocupar palanques para pedir intervenção militar. Em 2016, às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, o grupo Revoltados Online possuía alcance de 14 milhões de usuários e dois milhões de inscritos. Hoje, após uma ação do Facebook que retirou a página do ar por considerar o conteúdo impróprio, o grupo tenta recuperar seus seguidores. “Estamos migrando para o Twitter”, revela Marcello Reis. Considerado conservador, Reis afirma que deverá defender candidatos como Levy Fidelix e Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais. No rastro do Revoltados Online, só que numa linha ainda mais radical, surgiram movimentos que alertam para a necessidade de instigar uma oposição extrema ao atual pensamento político. Um deles é o Resistência Nacionalista. O principal líder do grupo é Antonio Silva, 34 anos, webdesigner. Conhecido nas ruas como “o Vulto”, ele prega a violência como forma de combate, doutrina parecida com o corolário Black Bloc, só que à direita. “Queremos expandir o ideal nacionalista para desestabilizar a hegemonia da esquerda no Brasil”, afirma. Alguns grupos já se institucionalizaram para defender suas propostas. Sob o lema de que “o esquadrão da morte precisa caminhar novamente pelo Brasil”, numa alusão ao período da ditadura militar, o militarista Eduardo Dias gerencia páginas do Partido Militar de Jundiaí, Jarinu e região. “Dessa vez, vamos concluir o serviço iniciado em 1964”, estampa em seu site.

Quem, embora não com tanques, promete incendiar as ruas, caso Lula não seja homologado candidato a presidente, ainda que por força de uma decisão judicial a ser anunciada no próximo dia 24 pelo TRF-4, são integrantes de movimentos alinhados ideologicamente ao PT, como a CUT e o MST. Por meio da internet, foram realizadas convocações para que a militância participe de atos em Porto Alegre no dia do derradeiro julgamento, que poderá culminar com a prisão do petista, impedindo-o de concorrer novamente ao Planalto. O ativista José Carlos dos Santos é um dos que poderão marcar presença. Recentemente, Santos, considerado integrante do MST, embora o movimento refute a associação, foi detido pela polícia com uma mochila contendo R$ 16 mil durante um sangrento quebra-quebra promovido pela Frente Brasil Popular em Brasília. Santos, como Moledo, Pilha, Burburinho, Abreu, Antonio Silva, Dias e Reis personificam o que de pior há na política, um ambiente que deveria ser de natureza propositiva propício ao confronto salutar de idéias, mas que foi invadido pelo radicalismo, onde o ódio e não os valores republicanos impera.

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